O
POTENCIAL INEXPLORADO DA ECONOMIA CRIATIVA EM RONDÔNIA
Silvio Rodrigues Persivo Cunha
RESUMO - Nas últimas
décadas um novo tema de estudo denominado “economia criativa”, que tem como
foco as atividades baseadas no capital intelectual passou a ser uma forma de
oportunidade para empresas, regiões e países ao permitir a geração de riquezas, impulsionar o
crescimento e a geração de empregos por meio de atividades que possuem em comum
a criatividade, como é o caso do design, da arquitetura, do turismo, de
produtos culturais e mídias, entre outros. Estes “novos” produtos passam, cada
vez mais, a ter maior participação na produção de riqueza e no comércio
internacional. Por isto a economia criativa passou a despertar interesse nos
governos, academias e ser inserida nas políticas públicas, como forma de
expandir o emprego e a renda. No Brasil o conceito já possui iniciativas
relevantes, mas, carece de políticas públicas definidas, mesmo, tendo uma secretaria
dedicada ao tema. Este texto propõe-se a
analisar o conceito, algumas consequências de sua relevância e defende uma
maior discussão e a inclusão da economia criativa nas políticas públicas de
Rondônia como forma de estimular o seu desenvolvimento.
Palavras-chave: Economia
criativa. Criatividade. Capital intelectual.
INTRODUÇÃO
Embora sendo um conceito
relativamente novo, já existe quase um consenso de que a “economia criativa”
tende a se tornar uma parte, cada vez mais, determinante e crescente da
economia global. Em parte isto se verifica por uma evolução decorrente da
potencialização da ciência e da tecnologia, de vez que, com a mecanização da
agricultura e da indústria, os novos empregos tendem a surgir de atividades de
comércio e de serviços, principalmente, dos denominados setores criativos, daí,
a maior importância ao papel que o conhecimento e as inovações desempenham como
fonte de empregos, de riqueza e de renda. Portanto, as expressões “indústrias
criativas” e “economia criativa” são relativamente recentes, decorrentes da
“terceira revolução industrial”, a produção contemporânea baseada na era
pós-industrial, pós-fordista, do conhecimento e da informação e aprendizado (MIGUEZ,
2007).
Com o peso menor da
participação da indústria no PIB-Produto Interno Bruto da grande maioria dos
países em relação ao setor de serviços surge a necessidade de reorientar as
políticas públicas de emprego, daí, a atenção que os serviços passam a ter, em
especial, por conta das mídias digitais e das novas empresas criativas que
introduzem no mercado novas tecnologias digitais
revolucionando e tornando os mercados mais sofisticados e instáveis. A atenção
para esta singularidade importou em que, na Grã-Bretanha, no final dos anos
1990, durante o governo Tony Blair, se fizesse um extenso mapeamento das
atividades ditas criativas, que foram catalogadas em treze áreas estratégicas,
que conformariam o que se chama de economia criativa. As áreas escolhidas
ultrapassaram as que, normalmente, são incluídas nas políticas culturais,
exemplos disto são o design, a moda e os softwares. A partir daí, o que era tema apenas das
academias, as indústrias criativas e a economia criativa passaram a ser não
apenas um campo novo de estudo, mas, a
despertar um interesse crescente de planejadores e de políticas públicas.
No Brasil, porém, só no
início do século XXI é que começam a proliferar os estudos sobre a questão e
para a compreensão do papel da economia criativa e de como pode ser útil para
uma política de desenvolvimento local. O objetivo deste trabalho é o de
ressaltar os conceitos de economia criativa e suas manifestações na economia de
Rondônia, e de sua capital, Porto Velho, propondo políticas públicas para a
economia criativa, como uma fonte potencial para crescimento de empresas, da
renda e do desenvolvimento econômico. Desta forma, o trabalho foi organizado em
duas partes. A primeira discute, e reforça a importância de se dar mais atenção
ao conceito de economia criativa, sua amplitude e relevância econômica. A
segunda salienta, e sugere, como as manifestações práticas e os exemplos
concretos necessitam de uma maior atenção do poder público, das lideranças
empresariais e acadêmicas para que se possa explorar com sucesso as
oportunidades existentes, o que se explicita nas considerações finais.
2- O CONCEITO DE ECONOMIA
CRIATIVA E SUA VISÃO ESTATAL BRASILEIRA
A economia criativa pode
ser vista como um conjunto de atividades, bens ou serviços culturais que possuem,
por um lado, um processo criativo, que, muitas vezes, é visto como cultural,
mas, que, por outro lado, resulta na produção de riqueza econômica. Este
conjunto de atividades, bens ou serviços possui como processo principal um ato
criativo que, em primeira mão, gera um valor simbólico, e, algumas vezes,
único, que tem como base a capacidade
humana de inventar, de imaginar, de criar, seja de forma individual ou coletiva,
mas, que importa em formação de preços e na produção de riqueza econômica. O
conceito, portanto, abrange mais do que os setores ditos culturais, ligados à
produção artístico-cultural, como música, dança, teatro, ópera, circo, pintura,
fotografia, cinema, abrangendo inclusive atividades inovadoras como às mídias,
à indústria de conteúdos, ao design à arquitetura, entre outros. No Brasil a Secretaria da Economia Criativa, vinculada
ao Ministério da Cultura, classificou como setores criativos aqueles cujas atividades
produtivas têm como insumos principais a criatividade e o conhecimento. A partir
disto, a economia criativa se caracteriza por ser a economia do intangível, do
simbólico, o que não lhe retira nem o valor econômico, nem a característica de
ser um mercado competitivo.
O conceito de economia
criativa teve, claramente, sua discussão iniciada nos países desenvolvidos na década
de 1980, porém, tomou corpo a partir do projeto Creative Nation, surgido na Austrália
em 1994, que defendia a importância do trabalho criativo para a economia do
país e do uso da tecnologia como aliada das políticas culturais. É, porém, em
2001, com John Howkins, autor de The
Criative Economy: How People Make Money From Ideas (A Economia Criativa: Como
as Pessoas Transformam Ideias em Dinheiro), que, ao definir que a economia criativa
lida com as ideias, ou seja, que é o negócio das ideias, que a terminologia
passa a ser aceita e disseminada. Quase, concomitantemente, são publicados, nos
Estados Unidos, os livros do professor
de economia da Universidade de Harvard, Richard Caves, “Creative industries”, em
2001, e o de Richard Florida, The rise of the creative class, em 2002, que
assentam, definitivamente, a tese de que na era pós-industrial não é mais
apenas o capital que se tem para investir em máquinas e insumos o que irá
produzir riqueza e sim as ideias, criatividade, que será um determinante dos
negócios de sucesso.
Como se observa o
conceito de economia criativa se ampara na criatividade. De acordo com a Unesco
(2010), a criatividade se assenta em várias dimensões do fenômeno e nasce da
articulação entre diferentes criatividades: científica, tecnológica, cultural e
econômica. Segundo ainda John Howkins (2001), a criatividade não é monopólio
dos artistas e pode estar presente nos cientistas, empresários, economistas,
entre outros, pois, todos eles têm a capacidade de criar algo novo, original,
pessoal, significativo e real. Para a UNCTAD, a definição de indústria criativa
está nos círculos de criação, produção e distribuição de bens e serviços que
utilizam criatividade e capital intelectual como insumos primários, baseados em
atividades de conhecimento que abrangem as artes em geral. São potenciais geradores
de vendas do comércio e direitos de propriedade intelectual; de produtos
tangíveis e intelectualmente intangíveis ou serviços artísticos com criatividade,
valor econômico e objetivos de mercado que constituem uma nova dinâmica do setor. E destaca como
manifestações da indústria criativa o patrimônio cultural, as artes e a mídia.
No Brasil, como
decorrência da importância que o conceito vem tendo, foi em junho de 2012,
aprovado por decreto 7743 de 1º de junho de 2012, a criação da Secretaria da
Economia Criativa (SEC), subordinada ao Ministério da Cultura, tendo como missão conduzir a formulação, a
implementação e o monitoramento de políticas públicas para o desenvolvimento
local e regional, priorizando o apoio e o fomento aos profissionais e aos micro
e pequenos empreendimentos criativos brasileiros. O objetivo foi o de tornar a
cultura um eixo estratégico nas políticas públicas de desenvolvimento do estado
brasileiro. E, por isto, a Secretaria da Economia Criativa do MinC formulou um
plano para o setor abrangendo o triênio 2011-2014. Neste documento se tenta um
conceito para economia criativa e se chega ao seguinte conceito:
os setores criativos são
aqueles cujas atividades produtivas têm como processo principal um ato criativo
gerador de um produto, bem ou serviço, cuja dimensão simbólica é determinante
do seu valor, resultando em produção de riqueza cultural, econômica e sócia.
(MinC, 2011, p.22).
Esta definição alarga o
campo de atividades da economia criativa para além
das que são, normalmente,
objeto das políticas culturais. Este é o grande sintoma de que o discurso em torno da economia criativa passa
a pertencer mais ao campo da economia que o da cultura, que é secundário na visão
proposta.
É preciso ver que, antecedendo
o plano, há uma citação de Celso Furtado, que relaciona o desenvolvimento à
criatividade. Neste sentido, a escolha de um economista para estar na primeira página do plano, mostra
que a visão que norteia o documento é de que as ferramentas da economia
criativa devem ser um mecanismo para promover o desenvolvimento econômico. Ou
seja, o plano pretende adequar o setor cultural a um modelo de desenvolvimento
econômico mais abrangente, que leve em conta o potencial empregador e inovador das atividades
culturais e criativas. Esta parece ser
uma visão capaz de dar dinamismo à economia criativa brasileira na medida em
que o conceito pode ser a fonte de políticas públicas que, efetivamente,
modifiquem a forma de ver não somente dos fenômenos culturais, como das cidades
como fontes de novos negócios e empreendimentos. A percepção de que é preciso
dar prioridade aos aspectos singulares de economias estaduais e locais, de que
é imprescindível que se utilize os potenciais típicos de cada espaço, como a
comida e/os costumes, é um sintoma de que o conceito de economia criativa
começa a tomar forma como base das políticas públicas.
3. POTENCIALIDADES E POLÍTICAS PÚBLICAS
Já existem exemplos relevantes
de que as políticas públicas de economia criativa podem impulsionar a melhoria
de vida, a geração de renda e de emprego. No Brasil um exemplo relevante é o
Projeto Porto Digital, na capital de Pernambuco, que, com cerca de 150 empresas
de TI, duas instituições de ensino, duas instituições de pesquisa, 20 empresas
incubadas de base tecnológica, 14 empresas incubadas de economia criativa, oito
empresas de serviços associados e quatro entidades empresariais de classe, o gera mais de 6,5 mil empregos diretos. O
cluster ocupa 40 mil metros quadrados no Recife Antigo, onde estão outros
importantes equipamentos da economia da cultura apoiados pelo BNDES, como o
Paço do Frevo e o museu Cais do Sertão. A Unesco (2008, 2010) defende a tese de
que a economia criativa é uma forma de impulsionar o crescimento econômico e
representa uma alternativa para o desenvolvimento, por ter como matéria-prima
base a criatividade e utilizar características culturais e sociais de cada
país/região, com a vantagem de produzir bens e serviços únicos. Ainda
segundo os documentos da Unesco os benefícios da economia criativa podem obtidos por meio de:
i) da criação de empregos, exportação, promoção e inclusão social, diversidade
cultural e desenvolvimento humano; ii) do entrelaçamento entre economia, cultura
e aspectos sociais com tecnologia, propriedade intelectual e objetivos
turísticos; iii) de um sistema econômico baseado no conhecimento desenvolvendo
a dimensão e através da interligação entre elementos macro e micro da economia;
e iv) do desenvolvimento da inovação através de políticas multi-disciplinares.
Contudo, apesar de
iniciativas relevantes e da percepção da importância das potencialidades da
economia criativa a sua importância ainda parece estar muito distante de ser
compreendida. Existem iniciativas que, efetivamente, dependem de recursos, mas,
a compreensão do tema e sua inclusão nas políticas públicas parece ser um
empecilho importante para que medidas mais efetivas sejam discutidas e executadas.
Um exemplo disto é que a maior festa brasileira, o carnaval, em 2108, depois de
três anos em queda, movimentou financeiramente R$ 6,25 bilhões na economia. O Ministério do Turismo estimou que a festa
envolveu 11 milhões de turistas, entre os quais 400 mil estrangeiros. É,
portanto, um movimento relevante e o carnaval é um produto típico da economia
criativa. Em Porto Velho, segundo estimativa da Federação do Comércio de Bens,
Serviços e Turismo do Estado de Rondônia-Fecomercio Rondônia, o carnaval girou, em 2018, cerca de R$ 400 milhões, o
que são recursos significativos. No entanto, como se constata abaixo, um
importante bloco da cidade não conseguiu desfilar:
“Galo da Meia Noite é impedido de desfilar em Porto Velho
Considerado o segundo maior
bloco carnavalesco de Porto Velho, o Galo da Meia Noite está prestes a não se
apresentar no carnaval deste ano. De acordo com o Blog do Zé Katraca os
diretores do bloco, Edson José Caula e Benjamim Mourão disseram que, por
motivos alheios à vontade da diretoria, o Galo da Meia Noite pode não desfilar
na quinta feira dia 8 de fevereiro, pelo tradicional circuito ‘Caiari’, formado
pelas ruas Rogério Weber, Pinheiro Machado, Joaquim Nabuco, Carlos Gomes até a
praça das Três Caixas D’água. ‘Infelizmente não conseguimos superar a
burocracia que norteia em torno desse tipo de evento. Sabemos que temos culpa,
por não cumprirmos parte do que ficou acordado com os órgãos financeiros da
prefeitura de Porto Velho, porém, entidades como o Galo da Meia Noite e a Banda
do Vai Quem Quer deveriam há muito tempo, fazer parte do Patrimônio Imaterial
do município de Porto Velho e até do estado de Rondônia’, disse Edson José” (JH
Notícias, 2018).
Realmente, houve
problemas na prestação de contas do bloco, mas, o que o dirigente disse também
tem muito de realidade e da falta de atenção que a economia criativa possui. Na
verdade, os blocos carnavalescos enfrentam não somente uma questão de muita
burocracia, em especial quando necessitam de recursos públicos, mas, mesmo quando
não precisam, são exigidos para qualquer desfile uma série de documentos e
cumprimento de requisitos que importam num custo muito alto, como por exemplo,
licenças de bombeiros, requisitos de segurança, questões relativas a trajeto e
policiamento que, não poucas vezes, impedem ou acabam com iniciativas
carnavalescas. Em Porto Velho, mesmo iniciativas tradicionais, como o Arraial
Flor de Maracujá ou feiras agropecuárias já tiveram interrupções na sua
realização por conta de exigências burocráticas. Em suma, não se leva em conta
os efeitos econômicos de muitas festas públicas.
É preciso, por
conseguinte, que exista uma maior discussão da importância da economia
criativa, bem como das potencialidades dela, em relação aos municípios e ao
próprio Estado de Rondônia. É verdade que já existem, mas, de forma isolada,
iniciativas que visam estimular a economia criativa, inclusive na gastronomia,
que é um rico filão local a ser devidamente explorado. A realidade é que, em
Rondônia, a economia criativa, mesmo no meio acadêmico, é um assunto
relativamente novo. E, muitas iniciativas recentes estão no seu âmbito, mas,
nem são tratadas como tal, como é o caso, por exemplo, o Festival Gastronômico
Cacoal Sabor ou um projeto como o “Projeto Porto Velho Sport Fishing”, que pretende
transformar Porto Velho na capital da pesca esportiva.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A economia criativa é um conceito relativamente
novo que se baseia na inovação,
intuição, criatividade e em novos produtos e serviços, que é uma característica
da produção da sociedade contemporânea. Por suas características teve um
desenvolvimento muito maior nos países mais desenvolvidos e com sistemas
educacionais melhores e mais escolaridade. No entanto, mesmo nos países menos
desenvolvidos, há muitas oportunidades de inovação e a potencialidade de
fenômenos, características e especificidades locais que podem estimular maior
geração de emprego e de renda.
No caso brasileiro as
possibilidades são muito grandes dadas as suas características de país
continental com costumes diversificados, abundância de matéria prima,
patrimônio cultural e artístico. Inclusive já existem, até mesmo em setores
modernos, como o da mídia, iniciativas que se revelaram promissoras, em
especial se cita o caso do projeto pernambucano Porto Digital. A criação de Secretaria
da Economia Criativa (SEC), subordinada ao Ministério da Cultura, e de um plano
de economia criativa já é um sintoma de que existe uma movimentação estatal em
torno da ideia, mas, não existem políticas públicas em especial nos estados e
municípios.
Neste sentido, este
artigo tem como principal objetivo fomentar a discussão de discussões sobre a
economia criativa e a criação de políticas públicas no Estado de Rondônia onde,
o tema, apesar de importante continua a ser relegado sem ter a importância que
é devida para uma região que, com a economia baseada, principalmente, em
comércio e serviços tem que, inevitavelmente, dar uma maior atenção à economia
criativa.
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