sábado, 25 de novembro de 2023

Autonomia dos Estados & Tempestades Tributárias

 


Tempestades tributárias à vista  

Aylê-Salassié Filgueiras Quintão (*)

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… Tenta-se simplificar aqui o entendimento do que seria essa Reforma Tributária, mas o ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, já se adiantou. Prenuncia aí na frente “tempestades tributárias” – próximas da atual guerra fiscal, com outros vieses – que poderão contribuir para agravar o modelo de gestão política e fiscal nas unidades federativas…

O Governo está enrolado com a proposta do Orçamento para 2024, com votação, no Congresso Nacional, prevista para até 31 de dezembro. Trafega-se por duas opções: zerar este desequilíbrio, que vem se acumulando há dez anos tendendo a piorar; ou enfrentar um déficit primário estimado em R$ 168 bilhões, que alimenta o endividamento do Estado já circulando nas proximidades do trilhão de reais. Lula não abre mão de gastar. Ele quer este 1% do PIB para bancar as eleições municipais. Ao contrário, o Ministério da Fazenda esforça-se para equilibrar as contas públicas – arrecadação versus gastos do Governo – e acabar com a inflexão nas contas nacionais, que vem se arrastando por dez anos, tendendo a piorar, e arruinar a confiança do Brasil no exterior. Já há, por aqui, empresas que fecharam as portas. O exemplo da Argentina assusta.

O Presidente não consegue, entretanto, descolar o Orçamento Fiscal do processo político eleitoral, este um consumidor contumaz dos recursos do Tesouro, e que terá R$ 37, 4 bilhões em emendas parlamentares individuais impositivas em 2024, sem contar os recursos para os partidos e para o Tribunal realizar as eleições. Diante desse quadro, o Produto Interno (R$ 1,7 trilhão) parece perder o fôlego. Teve uma queda, no último trimestre, de 0,6%, segundo o Banco Central, contrariamente à expectativa gerada no campo político, de um crescimento de 2,0%.

Para contornar a ameaça de uma gastança incontrolável do Governo num ano de eleições municipais e evitar um déficit fiscal maior que o PIB de vários países, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, esforça-se por aumentar a arrecadação tributária. Para isso, projetou um arcabouço fiscal, com o qual espera a aprovação prévia, ainda este ano, no Congresso, da regulamentação das apostas esportivas (novos ônus para os apostadores), a taxação tributária dos fundos das grandes fortunas, inclusive os aplicações de brasileiros no exterior, a Reforma Tributária e outras medidas de impactos setoriais.

Esta última, representada por um projeto de Emenda Constitucional (PEC 45-2019) já foi aprovada na Câmara dos Deputados mas, ao tramitar pelo Senado Federal, tornou-se alvo de 429 emendas, metade das quais, se aprovadas, provocariam uma elevação da alíquota geral unificadora dos tributos, chamada de IVA (Imposto sobre Valores Agregados) a menina dos olhos do Partido do Governo. O relator, Eduardo Braga (PMDB-AM) teria agregado apenas dez. Por essa razão, inclusive, a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) retorna à Câmara para o reexame das mudanças no Senado, podendo agregar novidades.

 Essa tão cultuada reforma tributária, a chave do Orçamento, tem o mérito de eliminar a aplicação cumulativa de impostos (um sobre o outro) ao longo da cadeia geradora de bens e serviços consumidos pela população. Mesmo que o relator tenha desdenhado das emendas onerosas, dentro do próprio governo, não se está conseguindo livrar a Reforma dos ônus ao Tesouro, com as alíquotas diferenciadas para setores produtivos, isenções para entidades sociais, prioridades e estímulos fiscais para empresas, sobretudo as carimbadas como campeãs. A boa notícia é que o Governo pretende estimular a retomada da indústria têxtil (algodão), um segmento que perdeu força com as aberturas de mercado em nome da alta competitividade. Já se prevê ainda que o limite referencial de 27 % incidente sobre a renda pode chegar a 30%.

Curioso, ou melhor, temerário, é que já se projeta uma revisão do Orçamento, se aprovado no Congresso, para o final do primeiro trimestre de 2024, com as alíquotas do IR devendo passar também por um reposicionamento nas contribuições dos ricos. Com essa distração imaginária de justiça social, esconde-se o esvaziamento da autonomia arrecadatória de estados e municípios, por meio do IVA e seus derivados (CBS -arrecadação federal) e o IBS (arrecadação nos estados e municípios), ao incidir sobre os produtos e serviços, em qualquer ramo de atividade, transformando-se em um, suposto, único tributo, capaz – propaga-se – de dar transparência aos cálculos dos impostos que incidem sobre eles. Para amenizar os possíveis efeitos fiscais sobre as contas dos estados e municípios, o Governo propõe a criação de um Fundo de Desenvolvimento Regional, com controle similar ao do Fundo de Participação dos Estados e Municípios, beneficiando, sobretudo, os estados do Norte e do Nordeste, mas que pressões internas querem estendê-las para o Centro Oeste. Não são poucas as exceções e privilégios que permeiam o projeto da Reforma Tributária.

Tenta-se simplificar aqui o entendimento do que seria essa Reforma Tributária, mas o ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, já se adiantou. Prenuncia aí na frente “tempestades tributárias” – próximas da atual guerra fiscal, com outros vieses – que poderão contribuir para agravar o modelo de gestão política e fiscal nas unidades federativas. O Governo Federal parece estar montando um arcabouço, diria, político, para assegurar a hegemonia, centralizada no Executivo Federal. Talvez só Lula entenda o processo. O Orçamento aprovado no Congresso será revisto já em março ou abril pelo Planalto, e com déficit ou o contingenciamento (congelamento) de recursos para determinados setores. O ministro da Fazenda admitiu essa possibilidade.

O certo é que o Governo vai concentrar a arrecadação e o controle dos tributos no Executivo Federal, que os redistribuirá, supostamente, com parcimônia e equidade. Por outro lado, pode, de fato, corrigir não apenas uma injustiça histórica tributária, que é a cumulatividade, e também esvaziar a arrogância política de algumas lideranças regionais. O Governo quer incorporar tudo ao PAC (Programa de Ação Concentrada), com previsões para gastos desnaturados, de R$ 1,7 trilhão em quatro anos (um mandato presidencial). Nem as emendas parlamentares impositivas estão isentas dessa intenção velada.

De fato, podem resultar na correção de alguns vícios históricos, mas o Poder Federativo republicano (autonomia dos estados) tende a se diluir a médio e a longo prazo, na medida em que a atual reforma tributária vai sendo incorporada como política pública. Por força do poder local, surge o perigo de cada alguma liderança tentar se reinventar regionalmente.

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(*) É Jornalista, professor, doutor em História Cultural, ex-guarda florestal do Parque Nacional de Brasília Vive em Brasília. Autor de “Pinguela: a maldição do Vice”. Brasília: Otimismo, 2018.

sexta-feira, 17 de novembro de 2023

A Digitalização no campo

 


DA SEMENTE À TECNOLOGIA: A REVOLUÇÃO DIGITAL NO CAMP

Matheus Ganem (*)

Em meio ao cenário econômico do Brasil, o Ministério da Agricultura e Pecuária revelou um importante ranking: os 100 municípios mais ricos do agronegócio nacional, com base em dados das lavouras. E a pergunta é: o que existe por trás desses números?

As cidades listadas, estrategicamente posicionadas em terras férteis e com acesso a infraestrutura, não apenas exemplificam a força do setor agrícola, mas também sua inovação contínua. Elas também são o reflexo de uma indústria que, ao longo dos anos, tem investido fortemente em tecnologia, pesquisa e práticas sustentáveis, solidificando o Brasil como um dos maiores produtores agrícolas do mundo. Dentro desse cenário, a digitalização das fazendas emerge como um fator crucial para a evolução e avanço do agro nas cidades mais prósperas.

A performance elevada frequentemente caminha lado a lado com a digitalização. Fazendas modernizadas têm revelado avanços significativos em produtividade, gestão e decisões estratégicas - uma verdadeira revolução digital. Propriedades que adotaram essa abordagem, além da tecnologia aplicada diretamente no campo, observaram melhorias significativas não só na produtividade, mas também na gestão e tomada de decisões. Assim, tornam-se capazes de coletar, analisar e agir com base em dados em tempo real, otimizando seus processos e garantindo um retorno sobre o investimento.

A digitalização das fazendas tem emergido não apenas como uma tendência, mas como uma verdadeira revolução para o avanço e evolução do agro no Brasil. Em um cenário globalizado e competitivo, a inovação tecnológica no campo transcende a mera aquisição de maquinários avançados. Ela se estende a uma gestão mais estratégica, eficiente e integrada das atividades rurais. Na análise feita pelo Ministério da Agricultura, as cidades com melhor desempenho têm elevado muito os níveis de tecnologia e de produtividade. Esse avanço tecnológico também vem sendo evidenciado pelo crescimento e consolidação de empresas no setor.

Todas essas localidades citadas desempenham um papel fundamental na produção de algodão, milho e soja no Brasil, e os números não mentem: existem recordes não somente em produção, mas também em valores reais. Estamos falando de uma produção total de 263,8 milhões de toneladas, abrangendo uma área de 90,4 milhões de hectares.

E o questionamento que fica é: como um dos setores mais importantes da economia e com potencial imenso de crescimento, o que estamos fazendo para alavancá-lo ainda mais? Para mim, a resposta está realmente na tecnologia. Acredito que a crescente demanda por soluções digitais no campo e a integração de programas para a gestão diária das fazendas com ferramentas de monitoramento refletem o compromisso em equipar os agricultores com o melhor desse mundo. Hoje, isso tudo é um grande aliado na poderosa missão de garantir a sustentabilidade e competitividade do setor no Brasil e é preciso entender que a digitalização do ecossistema agro não é uma mera tendência, mas sim uma necessidade imperativa.

(*) É CEO e cofundador da Seedz, startup brasileira.  Formado em Engenharia Ambiental pela FUMEC, com experiência no mercado ambiental e agrícola e é também cofundador da Ecobonuz, empresa de programa de fidelidade para quem utiliza transporte público.

Ilustração: ESSS. 

 

 

quarta-feira, 8 de novembro de 2023

A prioritária agenda da produtividade

 


Fernando Valente Pimentel ( *)

O Brasil precisa promover com urgência ações eficazes para agregar ganhos expressivos de produtividade à economia, pois, nas últimas três décadas, avançou muito pouco nesse fator fundamental para a competitividade, crescimento mais robusto e desenvolvimento. Distintos estudos nos posicionam nos últimos lugares nessa área, na qual tivemos queda de 4,5% somente em 2022, segundo divulgou recentemente a Fundação Getúlio Vargas (FGV).  É importante termos consciência e diagnosticarmos com precisão o problema, para buscar soluções adequadas. No site Observatório da Produtividade “Regis Bonelli” do FGV IBRE, consta que o desempenho da indústria nacional nesse quesito caiu 0,2% ao ano entre 1995 e 2021, passando de R 38,8 por hora trabalhada para R 36,6. É preciso reagir já, pois se trata de melhorar a eficiência da economia. Um país com alta produtividade é capaz de produzir mais bens e serviços com menos recursos, propiciando aumento do consumo sem gerar inflação de demanda, mais investimentos e exportações, incrementando a geração de renda e melhorando sua distribuição. Os reflexos são diretos no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), no qual, segundo o mais recente relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), continuamos em má posição, ocupando o 87º lugar entre 191 países.  O grande paradoxo entre essa classificação e nosso porte de nona maior economia explica-se em grande parte pela baixa produtividade. Por isso, precisamos melhorar muito nesse ponto, pois isso nos proporcionaria numerosas vantagens, a começar pelo crescimento econômico sustentado e sustentável, com maior produção de bens e serviços e aumento substantivo do PIB.  Outro ganho seria a melhoria do padrão de vida, com o aumento da massa salarial e da renda per capita, sem a necessidade de majoração dos bens e serviços. Ou seja, os trabalhadores passariam a ganhar mais dinheiro sem ter de pagar mais pelos itens consumidos. Também daríamos um salto na competividade internacional. Com maior produtividade, produziríamos mais, com menor preço, ganhando maior capacidade de concorrer no mercado global. Isso significaria mais exportações, ingresso maior de divisas e atração de investimentos produtivos. Há, ainda, o ganho ambiental, pois, produzindo mais com menos, economizamos energia, recursos naturais e água, preservando a natureza e reduzindo as emissões de gases de efeito estufa. Para conquistarmos o necessário avanço de produtividade, é pertinente conhecermos bem quais são os fatores que a afetam. O primeiro deles é o capital, cujo grau de disponibilidade determina a capacidade de investimentos na produção, máquinas e equipamentos avançados. Recursos humanos qualificados e bem-treinados também são essenciais, assim como a tecnologia e inovação. A combinação desses requisitos e o seu nível de desenvolvimento determinam a relação entre volume de produção e do montante de recursos nela empregados. Para aumentar a produtividade, há uma série de políticas públicas a serem executadas com eficácia. Uma das prioridades é o investimento do governo em educação, infraestrutura e pesquisa e desenvolvimento, para que tenhamos novas gerações de cientistas e mão de obra altamente preparados e qualificados, inclusive com o olhar já voltado à digitalização da economia e ao advento da Indústria 4.0. O setor público também pode – e deve – promover a adoção de novas tecnologias por empresas e consumidores, bem como incentivar a inovação por meio de políticas fiscais e regulatórias. Os desafios são grandes, pois o ganho de produtividade exige medidas em diferentes áreas. Porém, se avançarmos simultaneamente em todos os fatores determinantes para seu fomento, ingressaremos num círculo virtuoso de progresso, contribuindo muito para ascendermos ao patamar dos países de renda alta. Eis uma agenda prioritária para os brasileiros.

(*)  é o diretor-superintendente e presidente emérito da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit).