Tempestades tributárias à vista
Aylê-Salassié Filgueiras Quintão (*)
… Tenta-se simplificar aqui o entendimento do que seria essa Reforma Tributária, mas o ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, já se adiantou. Prenuncia aí na frente “tempestades tributárias” – próximas da atual guerra fiscal, com outros vieses – que poderão contribuir para agravar o modelo de gestão política e fiscal nas unidades federativas…
O Governo
está enrolado com a proposta do Orçamento para 2024, com votação, no Congresso
Nacional, prevista para até 31 de dezembro. Trafega-se por duas opções: zerar
este desequilíbrio, que vem se acumulando há dez anos tendendo a piorar; ou
enfrentar um déficit primário estimado em R$ 168 bilhões, que alimenta o
endividamento do Estado já circulando nas proximidades do trilhão de reais.
Lula não abre mão de gastar. Ele quer este 1% do PIB para bancar as eleições
municipais. Ao contrário, o Ministério da Fazenda esforça-se para equilibrar as
contas públicas – arrecadação versus gastos do Governo – e acabar com a
inflexão nas contas nacionais, que vem se arrastando por dez anos, tendendo a
piorar, e arruinar a confiança do Brasil no exterior. Já há, por aqui, empresas
que fecharam as portas. O exemplo da Argentina assusta.
O
Presidente não consegue, entretanto, descolar o Orçamento Fiscal do processo
político eleitoral, este um consumidor contumaz dos recursos do Tesouro, e que
terá R$ 37, 4 bilhões em emendas parlamentares individuais impositivas em 2024,
sem contar os recursos para os partidos e para o Tribunal realizar as eleições.
Diante desse quadro, o Produto Interno (R$ 1,7 trilhão) parece perder o fôlego.
Teve uma queda, no último trimestre, de 0,6%, segundo o Banco Central,
contrariamente à expectativa gerada no campo político, de um crescimento de
2,0%.
Para
contornar a ameaça de uma gastança incontrolável do Governo num ano de eleições
municipais e evitar um déficit fiscal maior que o PIB de vários países, o
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, esforça-se por aumentar a arrecadação
tributária. Para isso, projetou um arcabouço fiscal, com o qual espera a
aprovação prévia, ainda este ano, no Congresso, da regulamentação das apostas
esportivas (novos ônus para os apostadores), a taxação tributária dos fundos
das grandes fortunas, inclusive os aplicações de brasileiros no exterior, a
Reforma Tributária e outras medidas de impactos setoriais.
Esta
última, representada por um projeto de Emenda Constitucional (PEC 45-2019) já
foi aprovada na Câmara dos Deputados mas, ao tramitar pelo Senado Federal,
tornou-se alvo de 429 emendas, metade das quais, se aprovadas, provocariam uma
elevação da alíquota geral unificadora dos tributos, chamada de IVA (Imposto
sobre Valores Agregados) a menina dos olhos do Partido do Governo. O relator,
Eduardo Braga (PMDB-AM) teria agregado apenas dez. Por essa razão, inclusive, a
PEC (Proposta de Emenda à Constituição) retorna à Câmara para o reexame das
mudanças no Senado, podendo agregar novidades.
Essa
tão cultuada reforma tributária, a chave do Orçamento, tem o mérito de eliminar
a aplicação cumulativa de impostos (um sobre o outro) ao longo da cadeia
geradora de bens e serviços consumidos pela população. Mesmo que o relator
tenha desdenhado das emendas onerosas, dentro do próprio governo, não se está
conseguindo livrar a Reforma dos ônus ao Tesouro, com as alíquotas
diferenciadas para setores produtivos, isenções para entidades sociais,
prioridades e estímulos fiscais para empresas, sobretudo as carimbadas como
campeãs. A boa notícia é que o Governo pretende estimular a retomada da
indústria têxtil (algodão), um segmento que perdeu força com as aberturas de
mercado em nome da alta competitividade. Já se prevê ainda que o limite
referencial de 27 % incidente sobre a renda pode chegar a 30%.
Curioso,
ou melhor, temerário, é que já se projeta uma revisão do Orçamento, se aprovado
no Congresso, para o final do primeiro trimestre de 2024, com as alíquotas do
IR devendo passar também por um reposicionamento nas contribuições dos ricos.
Com essa distração imaginária de justiça social, esconde-se o esvaziamento da
autonomia arrecadatória de estados e municípios, por meio do IVA e seus
derivados (CBS -arrecadação federal) e o IBS (arrecadação nos estados e
municípios), ao incidir sobre os produtos e serviços, em qualquer ramo de
atividade, transformando-se em um, suposto, único tributo, capaz – propaga-se –
de dar transparência aos cálculos dos impostos que incidem sobre eles. Para
amenizar os possíveis efeitos fiscais sobre as contas dos estados e municípios,
o Governo propõe a criação de um Fundo de Desenvolvimento Regional, com
controle similar ao do Fundo de Participação dos Estados e Municípios,
beneficiando, sobretudo, os estados do Norte e do Nordeste, mas que pressões
internas querem estendê-las para o Centro Oeste. Não são poucas as exceções e
privilégios que permeiam o projeto da Reforma Tributária.
Tenta-se
simplificar aqui o entendimento do que seria essa Reforma Tributária, mas o
ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, já se adiantou. Prenuncia aí
na frente “tempestades tributárias” – próximas da atual guerra fiscal, com
outros vieses – que poderão contribuir para agravar o modelo de gestão política
e fiscal nas unidades federativas. O Governo Federal parece estar montando um
arcabouço, diria, político, para assegurar a hegemonia, centralizada no
Executivo Federal. Talvez só Lula entenda o processo. O Orçamento aprovado no
Congresso será revisto já em março ou abril pelo Planalto, e com déficit ou o
contingenciamento (congelamento) de recursos para determinados setores. O
ministro da Fazenda admitiu essa possibilidade.
O certo é
que o Governo vai concentrar a arrecadação e o controle dos tributos no
Executivo Federal, que os redistribuirá, supostamente, com parcimônia e
equidade. Por outro lado, pode, de fato, corrigir não apenas uma injustiça
histórica tributária, que é a cumulatividade, e também esvaziar a arrogância
política de algumas lideranças regionais. O Governo quer incorporar tudo ao PAC
(Programa de Ação Concentrada), com previsões para gastos desnaturados, de R$
1,7 trilhão em quatro anos (um mandato presidencial). Nem as emendas
parlamentares impositivas estão isentas dessa intenção velada.
De fato,
podem resultar na correção de alguns vícios históricos, mas o Poder Federativo
republicano (autonomia dos estados) tende a se diluir a médio e a longo prazo,
na medida em que a atual reforma tributária vai sendo incorporada como política
pública. Por força do poder local, surge o perigo de cada alguma liderança
tentar se reinventar regionalmente.
__________________________
(*) É Jornalista, professor,
doutor em História Cultural, ex-guarda florestal do Parque Nacional de
Brasília Vive em Brasília. Autor de “Pinguela: a maldição do Vice”.
Brasília: Otimismo, 2018.