segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

Com o metaverso, a internet vai acabar?

 


É o que pergunta o jornalista, escritor e professor Fernando Morgado

Depois de tantos dizerem que a internet mataria todas as demais formas de comunicação, agora ela é a mais nova ameaçada de morte. Uma das frases que o Google sugere em seu serviço de busca é “what will replace the internet” (“o que substituirá a internet”). No momento em que escrevo este artigo, foram encontrados mais de 700 milhões de resultados que podem ser sintetizados em uma só palavra: metaverso. Trata-se de um espaço digital que replica e amplia a realidade.  Esse fenômeno é tão irônico quanto equivocado, assim como também foram equivocadas as promessas de que o cinema mataria o teatro, o rádio mataria os jornais e a TV mataria o rádio. Cassiano Gabus Mendes, por exemplo, disse para a Revista do Rádio: “O rádio vai sumir… Daqui a uns dez ou vinte anos, sim. Mas que vai, vai”. Essa frase foi publicada na edição de 25 de novembro de 1952. Sendo assim, pelas contas de Cassiano, o rádio teria acabado entre 1962 e 1972. Entretanto, aqui estamos nós, às portas de 2022, sendo informados pela Kantar Ibope Media de que 80% da população brasileira ouve rádio.

Metaverso: caminho para a renovação do Facebook

Ainda que metaverso seja um dos assuntos mais comentados na atualidade, a verdade é que esse conceito não é inédito. O ‘Second Life’, criado em 1999 e lançado em 2003, já oferece isso. O metaverso foi recolocado nas manchetes graças ao Facebook. Enfrentando severa crise de imagem e crescente concorrência, principalmente pelo público jovem, a companhia de Mark Zuckerberg decidiu lançar uma nova marca corporativa e anunciar seu novo empreendimento. As duas ações estão intimamente ligadas, visto que o nome Meta faz óbvia alusão ao metaverso. Em um vídeo com cerca de uma hora e vinte minutos de duração, Zuckerberg e seus executivos trataram de diferentes atividades virtuais: ensino, dança, jogos, shows e, sobretudo, vendas. “O comércio será grande parte do metaverso”, disse Vishal Shah, vice-presidente da Meta. Esse movimento representa um ajuste importante no modelo de negócio da companhia, que troca o primado da publicidade pela evolução do conceito de marketplace. O metaverso reuniria lojas tridimensionais que venderiam não apenas produtos físicos, mas também virtuais, feitos sob medida para uso dos avatares. Na Zuckerberglândia, as relações seriam construídas de forma mais direta, entre indivíduos e marcas, em ambientes que misturam elementos concretos e virtuais. Nenhuma parte da longa apresentação foi exclusivamente dedicada àquilo que hoje é fonte de parte relevante do tráfego (e das polêmicas) do Facebook: informação, seja ela confiável ou não. A empresa de Mark Zuckerberg, fortemente associada às fake news, passou a impressão de que quer recomeçar, mas bem longe da armadilha que ela montou e na qual ela própria caiu. A publicidade em troca de clique ergueu uma gigante em termos de faturamento, mas pôs em xeque o sistema político de vários países e a saúde de bilhões de pessoas ao redor do mundo. Os efeitos legais de tanta desgraça agora ameaçam os negócios do Facebook, que se viu obrigado a mudar. Ao que parece, no metaverso, o “você é o que você posta” dará lugar ao “você é onde você está e com quem você está”. Nas redes sociais de hoje, tudo é mediado por fotos, textos e vídeos. Já na Zuckerberglândia, as relações seriam construídas de forma mais direta, entre indivíduos e marcas, em ambientes que misturam elementos concretos e virtuais. Consumo, emoções e relações ditariam as normas. Conteúdos, portanto, perderiam protagonismo. Parafraseando Marshall McLuhan, seria um meio sem mensagem. Em tempo: é preciso reconhecer que já existe um veículo de comunicação cujas mensagens envolvem muito pouco ou quase nada além de sensações. Eu me refiro ao TikTok. Ainda que o jingle cantado por Emicida fale em aprendizado e mencione a palavra “conteúdo”, fato é que essa rede social prioriza as reações puras e simples do usuário, não o teor daquilo que transmite. Ronaldo Lemos, cientista chefe do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS Rio), promete lançar em 2022 um livro no qual aprofundará essa discussão, que é tão relevante quanto sensível.

O metaverso e o setor de comunicação

Diante de todos esses movimentos, surge uma pergunta: quais as consequências (e oportunidades) do metaverso para os veículos de comunicação? É cedo para fazer considerações mais robustas. A própria Meta (leia-se Facebook) disse que ainda falta para o seu metaverso chegar ao público. Mesmo assim, a prioridade da tríade consumo, emoções e relações sugere que, no metaverso de Mark Zuckerberg, a produção de conteúdo caminharia, mais do que nunca, junto com a produção de atividades (ou experiências, como alguns preferem chamar). Nesse contexto, projetos especiais ganhariam novas possibilidades: ativação de marca em pontos de venda tridimensionais, promoção de shows virtuais e até sorteio de produtos para avatares.

De que forma os conteúdos jornalísticos serão produzidos e consumidos no metaverso?

A par de tanta especulação, é essencial que certas perguntas sejam respondidas para que os profissionais de comunicação tenham maior noção do futuro. De que forma os conteúdos jornalísticos serão produzidos e consumidos no metaverso? Qual será o modelo de remuneração para empresas e profissionais envolvidos nessa produção? O Brasil terá uma conexão à internet boa o suficiente para suportar o metaverso? Como se dará a regulação desse mercado? As pessoas estarão dispostas a gastar com novos aparelhos, como luvas e óculos, para entrar no reino encantado de Zuckerberg? Haverá algum esforço mais efetivo em prol da inclusão digital? Em suma: o metaverso veio mesmo para ficar ou é apenas um estratagema para mudar o foco do noticiário em torno do Facebook?

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Por Fernando Morgado. Jornalista, professor universitário e autor dos livros Comunicadores S.A. e Silvio Santos – A trajetória do mito. Mestre em Gestão da Economia Criativa e especialista em Gestão Empresarial e Marketing pela ESPM. Site: fernandomorgado.com.

Ilustração: Yahoo.

O FUTURO DO TRABALHO JÁ COMEÇOU, UM ARTIGO DE LEONARDO NOGUEIRA, CEO DA PROSPERI

 


Nesta nova dimensão do metaverso, as pessoas irão interagir representadas pelos seus avatares e "skins", serão remuneradas via moedas digitais e premiadas com artigos digitais protegidas por NFT

Até 2020, antes da pandemia do Covid-19, se falava em transformação digital e inovação, mas ainda era um tema um pouco distante para muitas pessoas. Ninguém imaginava que um vírus vindo da China ia mudar completamente este cenário. O mundo todo precisou adotar novas formas de pensar e agir. O futuro, que parecia distante, virou presente da noite para o dia, levando pessoas e empresas a anteciparem seus planos e se adequarem de forma abrupta a todas as novidades que estavam sendo impostas para todos nós.  Nem bem nos adaptamos a essas mudanças, e diversas tecnologias já estão invadindo o nosso dia a dia, como metaverso, NFT, blockchain, inteligência artificial, realidade virtual e/ou aumentada, que formam novas perspectivas de futuro e criam possibilidade de novos ambientes de interação entre as pessoas, semelhante aos mundos virtuais dos games em que milhares de pessoas já passam horas e horas imersos.

Nesta nova dimensão do metaverso, as pessoas irão interagir representadas pelos seus avatares e “skins”, serão remuneradas via moedas digitais, premiadas com artigos digitais protegidas por NFT e, como num vídeo game, estarão submersos com os objetivos de “passar de fase” ao alcançar as metas do metaverso, seja na educação, no trabalho e/ou no lazer. Imagine um experimento de deixar um adolescente num ambiente seguro, com um vídeo game, sem nenhuma responsabilidade a ser cumprida e com fornecimento de alimento e bebida, provavelmente, ele irá passar dias neste local jogando e, talvez, não saia nem para tomar banho.

A inteligência artificial deve acabar com as atividades repetitivas e analíticas. Por exemplo, já existem algoritmos de IA que conseguem diagnosticar doenças por análise de imagem, com maior precisão do que médicos especialistas, outros que escrevem petições jurídicas com alto grau de assertividade, através de análises de milhares de outros casos e características dos juízes do local do julgamento. Com todas estas mudanças, vagas de trabalho como atendente de call center, auxiliar de escritório, entre outros, não farão mais sentido no escopo das empresas. Em contrapartida, serão criadas novas oportunidades de trabalho como arquiteto de mundo virtual, influenciadores do metaverso, e outras que nem imaginamos ainda, porém, a tendência é que estas profissões necessitem cada vez mais especialização e conhecimento. É certo afirmar que teremos maiores perdas em empregos de baixo salário, enquanto a demanda por profissionais mais qualificados e com maior remuneração deve crescer. Estas mudanças implicam numa necessidade enorme de transição de carreiras e, para isso, é necessário se preparar, como já mencionado. Estudos apontam que entre 10% e 14% da população, em diferentes geografias precisarão mudar de carreira se quiserem se manter ativos profissionalmente. É importante ter em mente que cada vez mais a tecnologia fará parte do dia. Ou seja, pessoas que estiverem mais preparadas serão as que disputarão essas vagas. Além da competência profissional, as empresas também estarão atentas as “soft skills”, ou habilidades pessoais e comportamentais, que farão a diferença na hora da decisão. Alguns dos skills que já estão sendo considerados fundamentais para o futuro do trabalho, são: fluência digital, autoconfiança, saber lhe dar com incertezas, conhecimento organizacional, adaptabilidade, pensamento analítico e inovação, resolução de problemas complexos, aprendizagem, criatividade, liderança, inteligência emocional e influência social.

O Fórum Econômico Mundial fez um alerta ao indicar que 85 milhões de empregos serão remodelados até 2025, e que 50% dos profissionais que continuarão na sua função terão que se atualizar se quiserem fazer parte do trabalho do futuro. A requalificação profissional se torna essencial neste cenário em que muitos sistemas se tornaram ou estão se tornando autônomos e a inteligência artificial está mais presente em nossas vidas do que podemos imaginar. A questão é: quais serão as alternativas para as pessoas que não terão acesso e nem oportunidade para se atualizar e adquirir as especializações necessárias? Será que teremos milhões de pessoas vivendo imersos em uma realidade virtual do metaverso, simplesmente passando de fases e sendo sustentados por políticas globais de oferta de renda mínima, semelhante ao experimento do vídeo game citado anteriormente? O futuro está sendo criado hoje, e é um reflexo de diversas reações em cadeia. A qual grupo de trabalhadores do futuro você quer pertencer? Não perca mais tempo, se prepare agora.

Obs.: A Prosperi oferece soluções de colaboração, gestão de conteúdo e gerenciamento inteligente de projetos e portfólio de ponta a ponta. 

Ilustração: Ideia Clara. 

segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Uma análise perfeita de Jean Marcel Carvalho França

 


Na pandemia, esqueceram Foucault

Por   Jean Marcel Carvalho França (*)

Os ditos progressistas têm, em geral, um especial apreço pela obra do filósofo Michel Foucault; conservadores, por sua vez, torcem o nariz mal escutam o nome do pensador francês ou de um dos seus muitos discípulos. Em tempos normais, essa afirmação soaria demasiado óbvia, quase consensual. Todavia, coisas muito estranhas ocorreram no planeta ao longo destes meses pandêmicos. Inexplicavelmente, foucaultianos e simpatizantes, em meio à confusão sanitária geral, deixaram totalmente de lado uma das mais salientes obsessões do pensador francês, justo aquela relacionada diretamente ao drama que o mundo vivia: o tal biopoder, isto é, o uso do medo da morte e da promessa de uma vida longa (saudável) como um mecanismo eficaz de controle social.

Ora, o que se viu durante o corre-corre e a guerra de informações gerados pela pandemia foi uma verdadeira “inversão de valores”. Especialistas que passaram a vida escrevendo e gritando contra todo tipo de encarceramento (de loucos em hospícios, de presos em cadeias, de operários em vilas, de drogados em centros de recuperação, etc.) vieram a público pedir freneticamente que o estado atentasse contra as liberdades individuais e obrigasse cidadãos saudáveis, lúcidos e honestos a mofarem em suas casas ou a de lá saírem somente em casos excepcionais e devidamente mascarados – medida que, até se prove o contrário, parece mais moral do que sanitária.

Críticos incansáveis da ciência ocidental, aquela produzida pelo homem branco e dominador, de uma hora para outra, tornaram-se positivistas ferozes e cobraram testes de segurança – dentro dos bons padrões da ciência clássica – para medicamentos utilizados há décadas e consumidos aos montes, e sem receitas médicas, pela população. Pior ainda: inúmeros defensores dos denominados “saberes alternativos sobre a doença e a cura” (aqueles produzidos por parteiras, curandeiros, naturalistas etc.) puseram em xeque, lançando mão de uma ideia quase mística de ciência, exagerada até mesmo para os positivistas mais convictos, a experiência clínica – empírica – de médicos e enfermeiros.

O mais bizarro, porém, ainda estava por vir. Um vírus qualquer da incoerência tomou conta daquela gente que tinha a Big Pharma em péssima conta, daquela gente que, atenta aos ensinamentos de Foucault, desconfiava do uso que tais empresas faziam do vasto conhecimento que detinham sobre os corpos humanos; mas também daqueles céticos que, por razões as mais variadas, até há algum tempo atrás, desconfiavam e falavam horrores de imunizantes testados e aprovados há décadas. Mal se aventou a possibilidade de uma vacina para o vírus de Wuhan e esses precavidos e críticos de outrora, em meio a cânticos de louvor às indústrias farmacêuticas, exigiram vacinas para todos, inclusive para os que não queriam, não precisavam ou não podiam tomar a poção mágica ofertada pelos laboratórios. Não contentes, num derradeiro gesto de adeus a Foucault, saudaram com júbilos de alegria o passaporte sanitário, um instrumento nada desprezível de “governo dos outros” – como diria o já esquecido filósofo.

Por uma ironia do destino, coube, neste mundo de ponta-cabeça, aos denominados conservadores comungarem de algumas das preocupações de Foucault e, por razões que certamente não são as mesmas do pensador francês, lançar um olhar de desconfiança sobre os poderes constituídos e sobre as políticas que estavam implantando para combater a pandemia e supostamente garantir a vida dos cidadãos. Foram pessoas taxadas de egoístas e individualistas – e também de inescrupulosas e desprovidas de empatia – que, sem muito sucesso, advertiram sobre os perigos de permitir que o estado adotasse medidas sanitárias de eficácia duvidosa, mas que inquestionavelmente atentavam contra as liberdades individuais, contra o sagrado direito de ir e vir dos cidadãos. Foi gente com pouco apreço por Foucault e por suas críticas à ciência ocidental que apontaram o uso mistificador que se estava fazendo dessa mesma ciência, que apontaram a deslegitimação sistemática então em marcha da experiência clínica e mesmo a censura que se impunha aqui e ali a certos temas trazidos a público por médicos e cientistas que não engrossavam o coro geral. Foram surpreendentemente críticos que jamais pensaram que doenças imaginárias eram criadas pela indústria farmacêutica para vender medicamentos – ou que vacinas testadas eram substâncias duvidosas inoculadas autoritariamente em nossas crianças – que levantaram uma bandeira amarela para a segurança e eficácia de vacinas desenvolvidas em meses, vacinas experimentais que pareciam estar sendo impostas de uma maneira muito afoita a toda a população do país. Para completar a total inversão de valores e tornar o ambiente ainda mais esquisito, foram indivíduos apontados como simpáticos à opressiva ordem burguesa liberal que saíram por aí conclamando as pessoas a não aceitarem passivamente uma medida que tem todo o jeito de ser um instrumento poderoso de controle social: a exigência do controverso comprovante de vacina – aquele mesmo que muitos progressistas se orgulham de ostentar nas redes sociais.

 

Enfim, é realmente uma sociedade complicada esta que construímos no Ocidente: parece que todas aquelas partilhas que utilizávamos ainda ontem e que tornavam o mundo tão bem delineado e compreensível já não servem mais para nada.

 

* Jean Marcel Carvalho França é professor Titular de História do Brasil da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho e autor, entre outros, dos seguintes livros: “Literatura e sociedade no Rio de Janeiro Oitocentista (Imprensa nacional - Casa da Moeda, 1999), “Visões do Rio de Janeiro Colonial” (José Olympio, 2000), “Mulheres Viajantes no Brasil” (José Olympio, 2008), “Andanças pelo Brasil colonial” (Editora da UNESP, 2009), “A Construção do Brasil na Literatura de Viagem dos séculos XVI, XVII e XVIII” (José Olympio/Editora da UNESP, 2012), “Piratas no Brasil“ (Editora Globo, 2016) e “Ilustres Ordinários do Brasil” (Editora da UNESP, 2018).