Trabalho
por aplicativos: o trabalho efêmero
José Eduardo
Gibello Pastore (*)
Um
dos temas mais relevantes no âmbito das relações do trabalho para o próximo
Presidente da República é regulamentar o trabalho por aplicativos.
No
âmbito jurídico, alguns entendem que estes trabalhadores são empregados;
outros, que são autônomos.
No
entanto, poucos pensaram em perguntar para estes trabalhadores como eles se
sentem e se querem exercer sua atividade com ou sem vínculo de emprego. O
Datafolha perguntou.
Em
dezembro de 2021, pesquisa do Datafolha revelou que 2 em cada 3 motoristas e
entregadores preferem ser classificados como profissionais que trabalham por
conta própria a ser classificados como empregados.
Para
se compreender o motivo desta preferência, o mesmo estudo demonstrou que o que
mais atrai estes trabalhadores a este modelo de trabalho é sua flexibilidade,
“ter horários flexíveis”, ou seja, eles querem ter autonomia e liberdade para
poder executar outras atividades.
As
pesquisas não apontaram o que afirmarei abaixo, mas há um indicativo do que
seja o sentido desta autonomia, flexibilidade e liberdade no trabalho.
Uma
das características do trabalho com vínculo de emprego é sua perpetuação no tempo.
Toda lógica da CLT é sobre o trabalho que se perpetua no tempo para um único
empregador, ou seja, que os trabalhadores, nesta relação perene, se subordinem
a um único empregador durante o máximo de tempo possível. É tudo o que os
trabalhadores de aplicativos não querem.
O
trabalho por aplicativo tem um elemento peculiar: é efêmero. Para se
compreender isso, é só perguntar para algum destes trabalhadores por
aplicativos sobre o que pensam sobre seu trabalho: não raro ouviremos que estão
nesta atividade “temporariamente”, para fazer “um bico” ou para “complementar a
renda”. Nota-se nas respostas que existe alguma coisa de “provisório” no
exercício deste tipo de trabalho.
O trabalho por aplicativo é, portanto, efêmero
porque estes trabalhadores não se veem executando sua atividade durante um
longo período, tampouco imaginam se aposentar como trabalhadores por
aplicativos, muito menos desejam se subordinar exclusivamente a um empregador.
Eis o motivo pelo qual os trabalhadores por aplicativos não querem a proteção
do vínculo de emprego, mas tão somente proteções previdenciárias, mas não como
empregados -- outro dado interessante que a pesquisa apontou.
O
elemento pouco compreendido sobre o trabalho por aplicativo é o da sua
efemeridade, que gera efeitos jurídicos trabalhistas e previdenciários. É
efêmero, como dito, porque estes trabalhadores querem, no exercício desta
atividade durante um curto tempo, ter flexibilidade, autonomia, liberdade de
escolher para quem desejam trabalhar, sem jornada de trabalho fixa, até porque
trabalhadores por aplicativos não raro têm outros empregos ou executam outras
atividades para outros contratantes de seus serviços.
Se
seguirmos a premissa de que estes trabalhadores não têm liberdade para executar
suas atividades porque estariam subordinados aos algoritmos das plataformas
digitais, então o trabalhador autônomo, PJ ou MEI, por exemplo, não teria
liberdade alguma, tampouco seria uma atividade autônoma porque estaria também
“subordinado” aos meios telemáticos, computadores, WhatsApp, que são
gerenciados pelos mesmos mecanismos que “subordinam” os trabalhadores por
aplicativos. Em outras palavras, o Brasil seria o único país no planeta que só
admitiria um tipo de trabalho: aquele com vínculo de emprego.
O
trabalho efêmero é o DNA do trabalho por aplicativos. A efemeridade deste tipo
de atividade traz o elemento da flexibilidade, da não exclusividade, da
autonomia, da possibilidade de escolher e de trabalhar para vários contratantes
de seus serviços -- tudo muito diferente do trabalho com vínculo de emprego.
Diante
de tudo isso, há se compreender por que a pesquisa do Datafolha constatou que
estes trabalhadores não desejam ser enquadrados como empregados.
Este
é um indicativo do caminho que se deve trilhar para conferir proteções sociais
aos trabalhadores por aplicativos: um caminho longe da CLT. Um grande desafio
para o Parlamento e para o próximo Presidente da República.
(*) é advogado, consultor
de relações trabalhistas e sócio do Pastore Advogados.
Ilustração: BV Banco.