sábado, 25 de novembro de 2023

Autonomia dos Estados & Tempestades Tributárias

 


Tempestades tributárias à vista  

Aylê-Salassié Filgueiras Quintão (*)

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… Tenta-se simplificar aqui o entendimento do que seria essa Reforma Tributária, mas o ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, já se adiantou. Prenuncia aí na frente “tempestades tributárias” – próximas da atual guerra fiscal, com outros vieses – que poderão contribuir para agravar o modelo de gestão política e fiscal nas unidades federativas…

O Governo está enrolado com a proposta do Orçamento para 2024, com votação, no Congresso Nacional, prevista para até 31 de dezembro. Trafega-se por duas opções: zerar este desequilíbrio, que vem se acumulando há dez anos tendendo a piorar; ou enfrentar um déficit primário estimado em R$ 168 bilhões, que alimenta o endividamento do Estado já circulando nas proximidades do trilhão de reais. Lula não abre mão de gastar. Ele quer este 1% do PIB para bancar as eleições municipais. Ao contrário, o Ministério da Fazenda esforça-se para equilibrar as contas públicas – arrecadação versus gastos do Governo – e acabar com a inflexão nas contas nacionais, que vem se arrastando por dez anos, tendendo a piorar, e arruinar a confiança do Brasil no exterior. Já há, por aqui, empresas que fecharam as portas. O exemplo da Argentina assusta.

O Presidente não consegue, entretanto, descolar o Orçamento Fiscal do processo político eleitoral, este um consumidor contumaz dos recursos do Tesouro, e que terá R$ 37, 4 bilhões em emendas parlamentares individuais impositivas em 2024, sem contar os recursos para os partidos e para o Tribunal realizar as eleições. Diante desse quadro, o Produto Interno (R$ 1,7 trilhão) parece perder o fôlego. Teve uma queda, no último trimestre, de 0,6%, segundo o Banco Central, contrariamente à expectativa gerada no campo político, de um crescimento de 2,0%.

Para contornar a ameaça de uma gastança incontrolável do Governo num ano de eleições municipais e evitar um déficit fiscal maior que o PIB de vários países, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, esforça-se por aumentar a arrecadação tributária. Para isso, projetou um arcabouço fiscal, com o qual espera a aprovação prévia, ainda este ano, no Congresso, da regulamentação das apostas esportivas (novos ônus para os apostadores), a taxação tributária dos fundos das grandes fortunas, inclusive os aplicações de brasileiros no exterior, a Reforma Tributária e outras medidas de impactos setoriais.

Esta última, representada por um projeto de Emenda Constitucional (PEC 45-2019) já foi aprovada na Câmara dos Deputados mas, ao tramitar pelo Senado Federal, tornou-se alvo de 429 emendas, metade das quais, se aprovadas, provocariam uma elevação da alíquota geral unificadora dos tributos, chamada de IVA (Imposto sobre Valores Agregados) a menina dos olhos do Partido do Governo. O relator, Eduardo Braga (PMDB-AM) teria agregado apenas dez. Por essa razão, inclusive, a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) retorna à Câmara para o reexame das mudanças no Senado, podendo agregar novidades.

 Essa tão cultuada reforma tributária, a chave do Orçamento, tem o mérito de eliminar a aplicação cumulativa de impostos (um sobre o outro) ao longo da cadeia geradora de bens e serviços consumidos pela população. Mesmo que o relator tenha desdenhado das emendas onerosas, dentro do próprio governo, não se está conseguindo livrar a Reforma dos ônus ao Tesouro, com as alíquotas diferenciadas para setores produtivos, isenções para entidades sociais, prioridades e estímulos fiscais para empresas, sobretudo as carimbadas como campeãs. A boa notícia é que o Governo pretende estimular a retomada da indústria têxtil (algodão), um segmento que perdeu força com as aberturas de mercado em nome da alta competitividade. Já se prevê ainda que o limite referencial de 27 % incidente sobre a renda pode chegar a 30%.

Curioso, ou melhor, temerário, é que já se projeta uma revisão do Orçamento, se aprovado no Congresso, para o final do primeiro trimestre de 2024, com as alíquotas do IR devendo passar também por um reposicionamento nas contribuições dos ricos. Com essa distração imaginária de justiça social, esconde-se o esvaziamento da autonomia arrecadatória de estados e municípios, por meio do IVA e seus derivados (CBS -arrecadação federal) e o IBS (arrecadação nos estados e municípios), ao incidir sobre os produtos e serviços, em qualquer ramo de atividade, transformando-se em um, suposto, único tributo, capaz – propaga-se – de dar transparência aos cálculos dos impostos que incidem sobre eles. Para amenizar os possíveis efeitos fiscais sobre as contas dos estados e municípios, o Governo propõe a criação de um Fundo de Desenvolvimento Regional, com controle similar ao do Fundo de Participação dos Estados e Municípios, beneficiando, sobretudo, os estados do Norte e do Nordeste, mas que pressões internas querem estendê-las para o Centro Oeste. Não são poucas as exceções e privilégios que permeiam o projeto da Reforma Tributária.

Tenta-se simplificar aqui o entendimento do que seria essa Reforma Tributária, mas o ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, já se adiantou. Prenuncia aí na frente “tempestades tributárias” – próximas da atual guerra fiscal, com outros vieses – que poderão contribuir para agravar o modelo de gestão política e fiscal nas unidades federativas. O Governo Federal parece estar montando um arcabouço, diria, político, para assegurar a hegemonia, centralizada no Executivo Federal. Talvez só Lula entenda o processo. O Orçamento aprovado no Congresso será revisto já em março ou abril pelo Planalto, e com déficit ou o contingenciamento (congelamento) de recursos para determinados setores. O ministro da Fazenda admitiu essa possibilidade.

O certo é que o Governo vai concentrar a arrecadação e o controle dos tributos no Executivo Federal, que os redistribuirá, supostamente, com parcimônia e equidade. Por outro lado, pode, de fato, corrigir não apenas uma injustiça histórica tributária, que é a cumulatividade, e também esvaziar a arrogância política de algumas lideranças regionais. O Governo quer incorporar tudo ao PAC (Programa de Ação Concentrada), com previsões para gastos desnaturados, de R$ 1,7 trilhão em quatro anos (um mandato presidencial). Nem as emendas parlamentares impositivas estão isentas dessa intenção velada.

De fato, podem resultar na correção de alguns vícios históricos, mas o Poder Federativo republicano (autonomia dos estados) tende a se diluir a médio e a longo prazo, na medida em que a atual reforma tributária vai sendo incorporada como política pública. Por força do poder local, surge o perigo de cada alguma liderança tentar se reinventar regionalmente.

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(*) É Jornalista, professor, doutor em História Cultural, ex-guarda florestal do Parque Nacional de Brasília Vive em Brasília. Autor de “Pinguela: a maldição do Vice”. Brasília: Otimismo, 2018.

sexta-feira, 17 de novembro de 2023

A Digitalização no campo

 


DA SEMENTE À TECNOLOGIA: A REVOLUÇÃO DIGITAL NO CAMP

Matheus Ganem (*)

Em meio ao cenário econômico do Brasil, o Ministério da Agricultura e Pecuária revelou um importante ranking: os 100 municípios mais ricos do agronegócio nacional, com base em dados das lavouras. E a pergunta é: o que existe por trás desses números?

As cidades listadas, estrategicamente posicionadas em terras férteis e com acesso a infraestrutura, não apenas exemplificam a força do setor agrícola, mas também sua inovação contínua. Elas também são o reflexo de uma indústria que, ao longo dos anos, tem investido fortemente em tecnologia, pesquisa e práticas sustentáveis, solidificando o Brasil como um dos maiores produtores agrícolas do mundo. Dentro desse cenário, a digitalização das fazendas emerge como um fator crucial para a evolução e avanço do agro nas cidades mais prósperas.

A performance elevada frequentemente caminha lado a lado com a digitalização. Fazendas modernizadas têm revelado avanços significativos em produtividade, gestão e decisões estratégicas - uma verdadeira revolução digital. Propriedades que adotaram essa abordagem, além da tecnologia aplicada diretamente no campo, observaram melhorias significativas não só na produtividade, mas também na gestão e tomada de decisões. Assim, tornam-se capazes de coletar, analisar e agir com base em dados em tempo real, otimizando seus processos e garantindo um retorno sobre o investimento.

A digitalização das fazendas tem emergido não apenas como uma tendência, mas como uma verdadeira revolução para o avanço e evolução do agro no Brasil. Em um cenário globalizado e competitivo, a inovação tecnológica no campo transcende a mera aquisição de maquinários avançados. Ela se estende a uma gestão mais estratégica, eficiente e integrada das atividades rurais. Na análise feita pelo Ministério da Agricultura, as cidades com melhor desempenho têm elevado muito os níveis de tecnologia e de produtividade. Esse avanço tecnológico também vem sendo evidenciado pelo crescimento e consolidação de empresas no setor.

Todas essas localidades citadas desempenham um papel fundamental na produção de algodão, milho e soja no Brasil, e os números não mentem: existem recordes não somente em produção, mas também em valores reais. Estamos falando de uma produção total de 263,8 milhões de toneladas, abrangendo uma área de 90,4 milhões de hectares.

E o questionamento que fica é: como um dos setores mais importantes da economia e com potencial imenso de crescimento, o que estamos fazendo para alavancá-lo ainda mais? Para mim, a resposta está realmente na tecnologia. Acredito que a crescente demanda por soluções digitais no campo e a integração de programas para a gestão diária das fazendas com ferramentas de monitoramento refletem o compromisso em equipar os agricultores com o melhor desse mundo. Hoje, isso tudo é um grande aliado na poderosa missão de garantir a sustentabilidade e competitividade do setor no Brasil e é preciso entender que a digitalização do ecossistema agro não é uma mera tendência, mas sim uma necessidade imperativa.

(*) É CEO e cofundador da Seedz, startup brasileira.  Formado em Engenharia Ambiental pela FUMEC, com experiência no mercado ambiental e agrícola e é também cofundador da Ecobonuz, empresa de programa de fidelidade para quem utiliza transporte público.

Ilustração: ESSS. 

 

 

quarta-feira, 8 de novembro de 2023

A prioritária agenda da produtividade

 


Fernando Valente Pimentel ( *)

O Brasil precisa promover com urgência ações eficazes para agregar ganhos expressivos de produtividade à economia, pois, nas últimas três décadas, avançou muito pouco nesse fator fundamental para a competitividade, crescimento mais robusto e desenvolvimento. Distintos estudos nos posicionam nos últimos lugares nessa área, na qual tivemos queda de 4,5% somente em 2022, segundo divulgou recentemente a Fundação Getúlio Vargas (FGV).  É importante termos consciência e diagnosticarmos com precisão o problema, para buscar soluções adequadas. No site Observatório da Produtividade “Regis Bonelli” do FGV IBRE, consta que o desempenho da indústria nacional nesse quesito caiu 0,2% ao ano entre 1995 e 2021, passando de R 38,8 por hora trabalhada para R 36,6. É preciso reagir já, pois se trata de melhorar a eficiência da economia. Um país com alta produtividade é capaz de produzir mais bens e serviços com menos recursos, propiciando aumento do consumo sem gerar inflação de demanda, mais investimentos e exportações, incrementando a geração de renda e melhorando sua distribuição. Os reflexos são diretos no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), no qual, segundo o mais recente relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), continuamos em má posição, ocupando o 87º lugar entre 191 países.  O grande paradoxo entre essa classificação e nosso porte de nona maior economia explica-se em grande parte pela baixa produtividade. Por isso, precisamos melhorar muito nesse ponto, pois isso nos proporcionaria numerosas vantagens, a começar pelo crescimento econômico sustentado e sustentável, com maior produção de bens e serviços e aumento substantivo do PIB.  Outro ganho seria a melhoria do padrão de vida, com o aumento da massa salarial e da renda per capita, sem a necessidade de majoração dos bens e serviços. Ou seja, os trabalhadores passariam a ganhar mais dinheiro sem ter de pagar mais pelos itens consumidos. Também daríamos um salto na competividade internacional. Com maior produtividade, produziríamos mais, com menor preço, ganhando maior capacidade de concorrer no mercado global. Isso significaria mais exportações, ingresso maior de divisas e atração de investimentos produtivos. Há, ainda, o ganho ambiental, pois, produzindo mais com menos, economizamos energia, recursos naturais e água, preservando a natureza e reduzindo as emissões de gases de efeito estufa. Para conquistarmos o necessário avanço de produtividade, é pertinente conhecermos bem quais são os fatores que a afetam. O primeiro deles é o capital, cujo grau de disponibilidade determina a capacidade de investimentos na produção, máquinas e equipamentos avançados. Recursos humanos qualificados e bem-treinados também são essenciais, assim como a tecnologia e inovação. A combinação desses requisitos e o seu nível de desenvolvimento determinam a relação entre volume de produção e do montante de recursos nela empregados. Para aumentar a produtividade, há uma série de políticas públicas a serem executadas com eficácia. Uma das prioridades é o investimento do governo em educação, infraestrutura e pesquisa e desenvolvimento, para que tenhamos novas gerações de cientistas e mão de obra altamente preparados e qualificados, inclusive com o olhar já voltado à digitalização da economia e ao advento da Indústria 4.0. O setor público também pode – e deve – promover a adoção de novas tecnologias por empresas e consumidores, bem como incentivar a inovação por meio de políticas fiscais e regulatórias. Os desafios são grandes, pois o ganho de produtividade exige medidas em diferentes áreas. Porém, se avançarmos simultaneamente em todos os fatores determinantes para seu fomento, ingressaremos num círculo virtuoso de progresso, contribuindo muito para ascendermos ao patamar dos países de renda alta. Eis uma agenda prioritária para os brasileiros.

(*)  é o diretor-superintendente e presidente emérito da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit).

segunda-feira, 2 de outubro de 2023

SETOR DE SERVIÇOS DEVE SER MUITO IMPACTADO COM A REFORMA TRIBUTÁRIA



Os impactos da Reforma Tributária no setor de serviços

Nicholas Coppi*

No texto da reforma tributária, aprovado recentemente pela Câmara dos Deputados, os impactos para o setor de serviços serão significativos. A depender da área de atuação, alguns prestadores de serviço poderão usufruir o benefício de alíquotas reduzidas. A grande maioria, porém, deve se ressentir com o peso maior de impostos.

O setor de serviços, que representa 70% do PIB brasileiro, é o que mais emprega no País. Atualmente, incidem sobre os serviços três tipos de tributos: PIS, Cofins (federais) e ISS (municipal). Os dois tributos federais podem ser recolhidos de forma cumulativa, com alíquota de 3,65% e sem direito a apuração de crédito decorrente das aquisições, ou não cumulativa, com alíquota de 9,25% e direito a créditos em algumas aquisições. O ISS, por sua vez, é definido por cada município e as alíquotas variam entre 2% e 5%.

No texto da reforma tributária, o ponto central é a implementação de um Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) Dual. Neste sistema, PIS, Cofins e IPI serão substituídos pela CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços); ISS e ICMS, pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços).

No estudo apresentado pelo Ministério da Fazenda, no dia 8 de agosto, há dois cenários possíveis. Na possibilidade mais factível, as alíquotas poderão variar de 20,73% (6,95% de CBS e 13,78% de IBS) a 25,45% (8,53% de CBS e 16,92% de IBS). No cenário considerado mais conservador, de 22,02% (7,38% de CBS e 14,64% de IBS) a 27% (9,05% de CBS e 17,95% de IBS).

Neste panorama exposto pelo Ministério da Fazenda, é possível vislumbrar um aumento importante da carga tributária, uma vez que os prestadores de serviço não enquadrados no Simples Nacional recolhem uma alíquota máxima de tributos sobre o consumo de 14,25%, considerando-se a alíquota de 9,25% (PIS e Cofins) na apuração pelo lucro real, e a alíquota máxima de 5% do ISS.

O impacto é ainda mais relevante para as sociedades uniprofissionais submetidas ao regime especial do ISS e que apuram os tributos no lucro presumido. Vale dizer que não há previsão de regime especial no texto da PEC nº 45/2019, que vai implementar a reforma tributária. Neste grupo estão advogados, contadores e engenheiros, que recolhem PIS e Cofins a uma alíquota conjunta de 3,65%, além do ISS fixo calculado por profissional habilitado.

O que é necessário observar em relação às sociedades uniprofissionais? Mesmo com a não cumulatividade plena, que vai permitir a utilização de créditos decorrentes da totalidade das despesas com a atividade, esses prestadores de serviço, de modo geral, não possuem despesas relevantes para compensar os débitos relativos aos tributos que serão majorados.

Em toda essa discussão, é importante destacar que algumas atividades foram beneficiadas no texto aprovado pela Câmara dos Deputados. Há a obrigatoriedade de regime diferenciado, com redução de 60% nas alíquotas, para serviços de saúde, educação, transporte público e outros. Significa dizer que médicos, enfermeiros e escolas vão sentir impactos menores com as mudanças na tributação.

Para micro e pequenas empresas prestadoras de serviço há tendência de manutenção da carga tributária, tendo em vista que o texto da PEC prevê a manutenção da opção pelo Simples Nacional. Também é possível que esse grupo recolha separadamente a CBS e o IBS pela sistemática da não cumulatividade. Isso significa pagar os novos tributos apurando créditos oriundos de suas aquisições, porém recolhendo o IRPJ, a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) e a Contribuição Previdenciária Patronal na sistemática unificada.

O período de transição para a unificação dos tributos se estende de 2026 a 2032. Em 2033, tributos como PIS, ISS e outros serão definitivamente extintos. Embora com mudanças graduais, o impacto do aumento tributário é uma realidade negativa para grande parte dos prestadores de serviços, principalmente para os que não tiverem acesso a uma assessoria jurídica e contábil especializada.

*Nicholas Coppi é advogado, especialista (IBET) e mestre em Direito Tributário (PUC-SP). Professor de Programas de Pós-Graduação em Direito Tributário.

Ilustração: O Tempo.

terça-feira, 22 de agosto de 2023

O potencial da Economia Prateada

 


Economia Prateada, um mercado potencial

Marina Prieto (*)

Estima-se que pessoas com mais de 65 anos compõem 17% da faixa dos 5% mais ricos do Brasil, segundo estudo de mercado. E 66% deles têm como prioridade aproveitar a vida, de acordo com uma pesquisa do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC).

Esses dados mostram por que a economia prateada tem ganhado reconhecimento global como uma tendência significativa: há muitas oportunidades para os empreendedores brasileiros explorarem nesse segmento. À medida que o envelhecimento da sociedade se torna uma realidade, mais portas se abrem para que serviços inovadores surjam para atender suas necessidades.

É fato que as empresas que focarem nesse público podem ter um importante diferencial competitivo nos próximos anos. Mas embora o fenômeno da economia prateada seja uma realidade global, sua adoção e implantação dependem consideravelmente de uma série de fatores.

Infelizmente, ainda persistem estereótipos negativos ligados aos idosos. Ao contrário do que muitos acreditam, essa faixa da população não é formada por velhinhos fragilizados, ranzinzas e que sempre precisam de ajuda - aliás, essa é uma imagem totalmente distorcida da realidade. Outra ideia errônea a respeito da geração prateada é que eles são resistentes à tecnologia e não possuem interesse em atividades modernas - percepções que não correspondem à realidade diversificada dos idosos.

Na América Latina, pesquisas mostram que a geração prateada tem características comportamentais distintas, como apego aos valores tradicionais e aos papéis de sustento financeiro e emocional nas famílias. Esse padrão reflete a influência cultural dos baby boomers, geração que valorizou a estabilidade profissional e a dedicação ao trabalho, muitas vezes em detrimento das relações familiares mais estreitas.

Essas pessoas são muito importantes para o país economicamente, sendo responsáveis por movimentar impressionantes R 2 trilhões anualmente. Entretanto, surfar essa onda é um privilégio de quem compreende mais profundamente com quem estão lidando e é capaz de traçar as melhores estratégias para abordá-los.

Observo que já existe uma mudança de paradigma em curso, com empreendedores e empresas reconhecendo cada vez mais que a economia prateada pode ser muito mais frutífera se for praticada de maneira sensível e respeitosa. Isso pode ser alcançado por meio de uma comunicação autêntica e direta, que mostre produtos e serviços acessíveis, de alta qualidade e atrelados à incorporação de valores tradicionais, somados às experiências pessoais nas marcas oferecidas.

A chave está em compreender as necessidades e aspirações individuais dos idosos e oferecer soluções que melhorem sua qualidade de vida, promovendo saúde, independência, aprendizado contínuo e engajamento social.

Em um país onde a população idosa está crescendo de forma constante, a economia prateada se apresenta como uma oportunidade valiosa e, ao mesmo tempo, uma responsabilidade social. Vemos os empreendedores brasileiros se esforçarem para abraçar essa tendência global. Eles têm a chance de inovar e querem contribuir para o bem-estar dos idosos e prosperar em um mercado em expansão. Mas é preciso ouvir, compreender e atender às necessidades únicas dessa geração prateada que está redefinindo a dinâmica econômica do Brasil.

(*) É professora de Contabilidade da ESEG - Faculdade do Grupo Etapa.

Ilustração: El País.

quinta-feira, 3 de agosto de 2023

Quais os limites da IA?

 


Inteligência Artificial “ressuscitando” os mortos: isso é permitido

Bárbara Fraga (*)

A rápida evolução das tecnologias de Inteligência Artificial (IA) trouxe consigo uma série de questões éticas complexas. Entre elas, está o debate em torno da criação de deep fakes - técnica que utiliza imagens ou sons humanos feitas por meio de IA. Um exemplo dessa técnica é o recente caso da propaganda da Volkswagen, em que aparece a cantora Elis Regina, morta em 1982, ao lado da filha, a também cantora Maria Rita, em uma cena ultra realística, a qual as duas cantam o sucesso de autoria de Belchior, ‘Como Nossos Pais’. Por mais que o vídeo tenha remetido uma emoção sem igual, tendo em vista que Elis morreu antes de ver a própria filha crescer, é fundamental refletir sobre as implicações éticas e morais dessa prática, uma vez, também, que ainda não dispomos de uma legislação aprovada que ampare este tipo de caso. Embora os deep fakes tenham o potencial de serem usados de forma criativa e divertida, eles também podem ser uma ferramenta poderosa para disseminar informações falsas, difamar pessoas, criar pornografia não consensual, manipular vídeos para fins de fraude, entre outros. Essas situações podem prejudicar a confiança e a credibilidade de pessoas e/ou marcas. Tudo isso porque a deep fake, por meio da IA, combina algoritmos de aprendizado de máquina e processamento de imagem a fim de criar conteúdo falso e realista - geralmente vídeos - nos quais rostos, vozes e movimentos são manipulados de forma a parecerem autênticos. No entanto, são trabalhados totalmente de forma fictícia e, como no caso da Elis, sem o consenso direto da pessoa. Diante da grande repercussão, o Conar (Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária) abriu uma representação ética contra a campanha da montadora de veículos a partir das denúncias de consumidores que questionam o uso da IA para fazer a propaganda de quem já morreu. A contestação também reflete que a utilização da imagem da cantora pode trazer confusão entra a ficção e a realidade, principalmente entre os mais jovens. Nesta discussão, que promove uma série de questionamentos éticos e morais, vale abordar que, em primeiro lugar, essa ótica impulsiona a questão do consentimento e privacidade da pessoa, dona da imagem utilizada. O falecido não pode mais expressar sua vontade em relação ao uso de sua imagem em deep fakes e é crucial respeitar seus desejos prévios quando disponíveis. Além disso, a disseminação sem consentimento pode violar a privacidade e a dignidade do mesmo, bem como causar angústia emocional aos entes queridos que mantêm a memória do indivíduo. Diante dessas considerações, é fundamental que os criadores e usuários de deep fakes de pessoas falecidas ajam com responsabilidade, respeitando os desejos e direitos da pessoa, conforme o que ela expressava ainda em vida. Regulamentações específicas precisam ser criadas para garantir o uso ético dessas tecnologias, levando em conta os aspectos legais, morais e emocionais envolvidos. A conscientização sobre as implicações éticas e o diálogo aberto são essenciais para garantir que as representações digitais de pessoas falecidas sejam tratadas com respeito, dignidade e consideração por todos os aspectos que envolvem aqueles que já não estão entre nós.

(*) é Head de Data Science da A3Data, consultoria especializada em dados e inteligência artificial.

Ilustração: Radio Itatiaia.

segunda-feira, 19 de junho de 2023

O DRAMA DOS CONSIGNADOS

 


Consignado dos servidores: redução ou endividamento?

 Leandro Madureira (*)

A advocacia em benefício de servidores públicos muitas vezes nos coloca frente a circunstâncias paradoxais. A mais recente delas diz respeito à alteração da Lei 14.509, de dezembro de 2022, que foi editada ainda no governo Bolsonaro e que trouxe a previsão de aumento da margem consignável para 45% da remuneração dos servidores públicos em atividade ou aposentados.

A margem consignável é o montante que os servidores públicos poderão comprometer de sua remuneração para a tomada de empréstimos junto aos bancos e instituições financeiras. Ou seja, a referida lei permitiu que quase metade da remuneração possa vir a ser objeto de garantia para a obtenção de empréstimos, com desconto mensal da dívida em folha.

Necessário refletir que esse tipo de circunstância evidencia um problema muitas vezes oculto: o superendividamento dos servidores públicos brasileiros.

A possibilidade de os servidores poderem comprometer grande parte de sua remuneração ou aposentadoria pelos empréstimos da margem consignável pode gerar a falsa sensação de maior composição orçamentária dessas famílias, que disporiam de um crédito garantido na praça. Porém, tal artimanha foi utilizada para não se promover a negociação de reposições inflacionárias e o reajuste das remunerações dos servidores, congeladas até o último reajuste aplicado pelo Governo Lula.

Mas há uma peculiaridade importante da Lei 14.509/2022: dos 45% de margem consignável, o Governo Bolsonaro previu que 5% fossem designados exclusivamente para amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito ou para a utilização com a finalidade de saque por meio de cartão de crédito. Ou seja, o servidor poderia utilizar 5% de sua margem consignável para quitar dívidas de cartão de crédito ou para sacar valores das operadoras de cartão.

A despeito da lei falar sobre essa modalidade de maneira mais lacônica, a utilização da margem de 5% para crédito ou saque não seria fomentada, a priori, para uso em cartões de crédito convencionais, que possuem taxas de juros altíssimas, de até 800% ao ano, tanto para inadimplemento quanto para saque. A ideia foi no sentido de criar a modalidade de cartão de crédito consignado, que contaria com benefício de isenção de anuidade e taxa de juros de cerca de 20% ao ano.

Para além do cartão de crédito consignado, a lei encaminhada pelo Congresso ao ex-presidente Bolsonaro previa também a figura do cartão de benefício consignado. Porém, ao analisar a lei, o governo Bolsonaro vetou o inciso que previa a destinação de outros 5% da margem consignável para a amortização de despesas contraídas por meio de cartão consignado de benefício ou para a utilização com a finalidade de saque por meio de cartão consignado de benefício.

Segundo informações do próprio Governo Federal, “O cartão de ‘crédito consignado de benefício’ é uma modalidade de cartão de crédito com desconto em contracheque e benefícios vinculados obrigatoriamente, como descontos em estabelecimentos específicos, seguros, etc.”. Ou seja, trata-se de uma facilidade, de um cartão de benefício destinado para a compra ou saque dentro da margem consignável. Os juros desse tipo de cartão são limitados pelo governo e se diferenciam bastante dos juros praticados pelo mercado financeiro.

Quando há o veto presidencial a um trecho de lei, como foi feito pelo Governo Bolsonaro com relação ao cartão de benefício consignado, necessário que o Congresso Nacional reaprecie a matéria.

Na análise parlamentar, o veto presidencial foi derrubado e, com isso, a legislação reincorporou a previsão do cartão de benefício consignado. Ou seja, além do cartão de crédito consignado com margem de 5%, passou a existir também o cartão de benefício consignado, com margem de 5%.

Em virtude dessa circunstância, a seguinte realidade se apresentou: no governo Bolsonaro, a margem consignável dos servidores públicos era de 45%, destinando-se 5% para a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito ou para finalidade de saque por cartão de crédito (cartão de crédito consignado). Na prática, os servidores poderiam garantir 40% de suas remunerações com empréstimos.

Já em 2023, o Congresso Nacional analisou o veto do ex-presidente Bolsonaro e o derrubou, fazendo com que 5% da margem consignável fosse destinada ao cartão de benefício consignável. Assim, a margem consignável passou a ser de 35%, destinando-se 5% para o cartão de crédito consignado e outros 5% para o cartão de benefício consignado.

Por óbvio, após a apreciação do veto, o governo Lula não poderia deixar de promulgar a reinclusão do inciso na lei, que tratou do cartão de benefício consignado. Mas aqui surgiu um potencial problema: aqueles servidores que se utilizaram da margem consignável de 40% para empréstimos ainda no governo anterior deveriam realizar a renegociação da margem consignável para os atuais 35%? Não. O governo do Presidente Lula garantiu que os empréstimos já realizados se utilizando dos 100% dos antigos 40% da margem consignável serão mantidos até o final do pagamento, enquanto os novos empréstimos deverão obedecer a lei, limitando-se a 35% da remuneração.

De todo, o que é preciso refletir é se a defesa de uma maior margem consignável para empréstimos dos servidores seria a defesa de um direito dos servidores públicos. As financeiras de empréstimo consignado são grandes propulsoras de uma alta incidência de juros no mercado brasileiro, funcionam como verdadeiras captadoras de empréstimos, além de se utilizarem muitas vezes de uma atuação incisiva e predadora para vender seus produtos de empréstimo ou vender os próprios dados dos servidores.

Até que ponto a busca pela justiça social seria alcançada pela defesa dos interesses do mercado em desfavor da preocupação com o superendividamento dos servidores? O paradoxo que em tese se apresenta é desmistificado pela compreensão de que o principal objetivo deva ser sempre a busca por salários mais dignos, que reflitam as perdas inflacionárias acumuladas ao longo dos anos, além da garantia de melhores condições de trabalho e de aposentadoria.

(*)  é advogado especialista em servidores públicos e Direito Previdenciário e sócio do escritório Mauro Menezes & Advogados.

terça-feira, 13 de junho de 2023

Máquinas serão sempre máquinas? -Uma reflexão.

 


Inteligência Artificial e sentimentos: um debate sobre a senciência das máquinas

por Jorge Mario da Silva Junior e Luis Gustavo de Oliveira Nogueira (*)

Com o aprimoramento da Inteligência Artificial (IA) nos moldes que já temos hoje, precisamos entender e aceitar que a “era do conhecimento” acabou e estamos entrando na “era do pensamento analítico/ experiência”. Na antiguidade, os seres humanos recorriam diretamente a seus sábios, posteriormente os pergaminhos passaram a ser a fonte conhecimento, depois vieram os livros e as bibliotecas. Séculos mais tarde, a internet foi criada, seguida de buscadores digitais, como o Google e o Bing e, com isso, a civilização deu um salto na propagação das informações e do conhecimento. Mas, agora, boa parte do “conhecimento do mundo” pode ser obtido através de Inteligência Artificial (IA), essa facilidade na busca de informação está tornando o conhecimento uma commodity, algo quase banal que pode ser acessado por qualquer pessoa que tenha o mínimo de informação e recurso e, por isso, a temática passou a ser o centro de diversos debates, até mesmo filosóficos, sobre o futuro dessas máquinas e, consequentemente, da humanidade em geral.

Para compreendermos o impacto dessas tecnologias em nossa sociedade, podemos ver o caso do “Google Maps”. Antigamente, para ser um bom motorista era preciso conhecer a cidade e seus pontos de referências, e isso era um fator determinante na contração de um motorista. Hoje o “conhecer a cidade” passou a ser irrelevante, pois qualquer pessoa pode encontrar endereços por meio do “Google Maps”. Logo, o “conhecimento da cidade” passou a ser irrelevante, mas a capacidade analítica para reagir em situações de diversos tipos, seja no trânsito ou em um relacionamento interpessoal, ganhou destaque. Assim, motoristas passaram a ser contratos por sua experiência e capacidade analítica, parece algo insignificante, mas é um bom exemplo de como nossa sociedade está mudando e jamais voltará a ser como era antes.

Nesse âmbito, um dos tópicos mais discutidos é sobre a capacidade de uma IA operar as funções que um ser humano realiza. De fato, as máquinas, com seu poder de aprendizagem, já conseguem executar diversas tarefas que antes precisariam ser feitas de forma manual, como redigir um e-mail ou montar uma planilha. Inclusive, até funções mais complexas, como criar um texto ou imagens, já podem ser feitas por essa inteligência. No entanto, há um aspecto que, para as máquinas, ainda é complexo: as emoções e os sentimentos. Nesse sentido, abre-se uma nova discussão sobre a capacidade da IA em compreender essas sensações, até então, restritas a pessoas.

No ano passado, um engenheiro do Google postou um artigo em seu Medium afirmando que o chatbot da empresa chamada LamDA era senciente, ou seja, tinha a capacidade de ter sentimentos. Após a IA responder a diversas perguntas afirmando ser uma pessoa e ter emoções reais, o funcionário alegou que a máquina tinha também consciência de sua própria existência, o que deu combustível para a discussão em torno do tema. Após a polêmica ter sido levantada, o Google alegou que essas acusações não tinham fundamentos e refutou o funcionário.

Não podemos afirmar com certeza se todos os pontos levantados pelo engenheiro eram falsos, mas podemos dizer que a IA é uma tecnologia que só executa funções para as quais ela foi ensinada e possui permissão/ acesso. A própria capacidade de aprender é uma função ensinada e, em teoria, pode ser desativada. Então, é possível que uma máquina identifique e reproduza sentimentos, caso ela seja treinada para isso. Assim como um carro Tesla é programado para dirigir sozinho, reconhecendo e desviando de obstáculos no caminho, outra IA pode ser aplicada para identificar e reproduzir sentimentos por meio da análise de padrões de linguagem ou comportamentos. No entanto, apesar da capacidade de simular sentimentos que se pareçam com os humanos, essas máquinas jamais poderão desenvolver emoções reais, pois, conforme definição da psicologia, emoção é uma “reação orgânica de intensidade e duração variáveis, geralmente acompanhada de alterações respiratórias, circulatórias etc. e de grande excitação mental”.

Ou seja, com um treinamento adequado, um bot pode mudar o tom de uma conversa com alguém ao identificar algum tipo de emoção, dessa forma, é possível usar a IA em vários setores, como atendimento e suporte ao cliente, pois, conseguindo analisar alguns sentimentos, o sistema pode trazer um serviço mais responsivo e humanizado. Também se torna viável usar a IA para ajudar usuários que estejam com algum problema, fornecendo orientações, dicas de comportamento ou dando algumas palavras de conforto; inclusive, o ChatGPT já vem sendo usado para estas situações.

Contudo, é preciso entender que essa tecnologia deve ser usada apenas como suporte para as ações humanas, não podendo ser uma substituta completa, principalmente no que tange às relações pessoais, pois nenhuma máquina consegue sentir, de fato, como uma pessoa. Então, relacionamentos afetivos ou mesmo profissionais, que exijam maior sensibilidade e empatia, não podem ser concebidos por computadores, já que eles são apenas objetos inanimados e não compreendem a consciência humana como um todo.

 

 

Sob esta ótica, podemos citar o filme “Her” como exemplo. Na trama, um escritor desenvolve uma relação amorosa com o sistema operacional de seu computador. Em dado momento, o protagonista desenvolve sentimentos por essa máquina, no entanto, ele não é correspondido, pois, embora, o sistema operacional consiga reproduzir falas e sentimentos amorosos, ele não os nutre, genuinamente, como uma pessoa faz. Ou seja, uma IA pode dialogar com humanos de maneira responsiva e até mesmo afetiva, podendo identificar os sentimentos do indivíduo, mas jamais terá reação orgânica acompanhada de alterações respiratórias., ou seja, na ótica literal da palavra e da psicologia, jamais uma IA terá emoções e sentimentos reais.

Portanto, podemos concluir que a IA tem a capacidade de aprender sobre emoções e consegue identificar sentimentos, o que permite uma comunicação mais assertiva com o usuário e pode ser de grande auxílio em diversos setores profissionais ou pessoais. Contudo, precisamos entender que máquinas são máquinas e foram desenvolvidas para dar apoio à sociedade e facilitar a vida da população. Dessa forma, apesar de toda a evolução, computadores não poderão cumprir com funções intrinsecamente humanas; além de que o contato físico, a comunicação e a troca entre as pessoas reais jamais poderão ser substituídos por alguma máquina, seja ela inteligência ou não.

(*) São, respectivamente, gerente de inovações de workplace services e líder de desenvolvimento de produtos da SONDA, líder regional em serviços de Transformação Digital.

 

domingo, 28 de maio de 2023

SÍNDROME DE GABRIELA



Prof. Alexandre Costa (*) 

Ultimamente tenho observado que o número de pessoas portadoras da Síndrome de Gabriela vem aumentando, inclusive nos grupos de indivíduos mais instruídos, que mesmo tendo uma base de conhecimentos mais sólida, não acreditam que podem mudar a situação em que nasceram ou estão vivendo "a cantar" a trilha sonora da personagem de Jorge Amado: "Eu nasci assim, eu cresci assim, e sou mesmo assim, vou ser sempre assim... Gabriela... sempre Gabriela", sem envidar qualquer esforço para que a mudança desejada ocorra. Algumas características comportamentais comuns aos portadores desta Síndrome, que merecem atenção especial, são a Síndrome do Coitadismo e a Síndrome do Conformismo, ou seja, na percepção deles todos são culpados por seus fracassos e não adianta fazer nada porque para eles tem que ser do jeito deles, não adianta tentar mudar, porque não funciona e pronto.Outros indivíduos, um pouco menos pessimistas, adotam outra trilha sonora, também muito perigosa, cantada por Zeca Pagodinho: "Deixa a vida me levar, vida leva eu...", e tomam como lema de vida o comodismo, permanecendo estacionados no tempo, sem ter coragem de sair da zona de conforto. Em todas as áreas da vida a Síndrome de Gabriela causa sérios danos, mas na vida profissional é muito mais nefasta porque não prejudica apenas os seus portadores, mas toda organização, porque é impossível que as metas e objetivos sejam atingidos, quando se depende de pessoas portadoras desta Síndrome, especialmente, se a empreitada exigir qualquer mudança de paradigma. Para a grande maioria o processo de mudança é muito difícil e exige muito trabalho, planejamento e muita força de vontade, por isso esses indivíduos preferem continuar fazendo tudo do mesmo jeito no trabalho e na vida pessoal, perdendo, desta forma, a oportunidade de conhecer novas alternativas, amadurecer e descobrir novas possibilidades de crescimento. Aproveitando a oportunidade, gostaria de oferecer algumas sugestões aos seguidores de Gabriela: deixem definitivamente de lado frases como “vamos fazer assim, porque sempre deu certo”, “sei que desse jeito é bom, mas prefiro fazer do meu jeito” ou “sinto muito, mas sou assim mesmo”, e passem a observar exemplos de pessoas famosas ou anônimas que saíram da base da pirâmide social e atingiram os pontos mais altos, social e economicamente falando, como a saudosa Dra. Chames Salles Rolim, falecida aos 103 anos, que se formou aos 97 anos, pela Faculdade de Direito de Ipatinga, que justificava sua atitude exemplar, dizendo: "A vida é um eterno aprendizado. E quero ajudar também com o conhecimento que adquiri na faculdade".E, por último, eles precisam entender ainda que hoje pode ser o último dia da vida, portanto, até mesmo levantar-se da cama e ficar em pé, representa o risco de cair. Quem não estiver disposto a encarar a derrota correndo riscos, jamais será um vencedor.

(*) É  Palestrante, coach, escritor e editor.  contato@professoralexandrecosta.com.br  (85) 9.9929.5726.

Ilustração: Comprerural. 

segunda-feira, 15 de maio de 2023

O Custo da Insegurança Pública

 


O custo social e econômico da

insegurança pública no Brasil

 

Fernando Valente Pimentel (*)
 

Acontecimentos recentes de ataques urbanos, assim como outros que ocorrem em distintas cidades brasileiras, são a ponta do iceberg da gravíssima conjuntura do crime e da violência, que agridem o País há muito tempo e de maneira crescente. Além do pânico, ameaça à vida e ao direito de ir e vir dos cidadãos, tais episódios causam imensos danos à economia, corroborando o fato de que um dos custos mais impactantes para a operação das empresas refere-se àquele gerado pela insegurança. É algo que atrasa a indústria e o comércio, afeta o turismo, dificulta a atração e retenção de talentos e intimida a sociedade.

O estudo Segurança pública: a importância da governança, da Confederação Nacional da Indústria (CNI), demonstrou que, em 2017, a triste rubrica da criminalidade custou R 365 bilhões ao País. O montante equivalia, à época, a 5,5% do PIB, ou um imposto anual de R 1,8 mil recolhido de cada brasileiro. Em 2018, a entidade, com base em dados do IBGE, divulgou que a indústria havia gastado, no ano anterior, R 30 bilhões com segurança, 2,4 vezes mais do que com pesquisa, na qual investira R 12,5 bilhões..

Monitor de Violência do G1/ Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo reportou que, em média, 111 pessoas foram assassinadas por dia no Brasil em 2022, somando mais de 40 mil no ano. Esses absurdos números incluem homicídios dolosos, lesões corporais seguidas de morte e latrocínios. É como se estivéssemos em guerra. A verdade é que estamos de fato, mas contra um inimigo interno “entrincheirado” no tráfico de drogas, contrabando, descaminho, assaltos a bancos e empresas, tentativa de controle dos presídios, furtos, roubos e sequestros.
A dura realidade é que a falta de segurança pública afeta diretamente a vida das pessoas. A violência está presente em numerosas cidades brasileiras, semeando medo e causando enormes prejuízos humanos e materiais. Tal situação afeta a qualidade da vida e provoca imenso custo emocional e psicológico para a população.

Além disso, a falta de segurança pública atinge diretamente o turismo, importante fonte de receita e postos de trabalho em muitas regiões. Também impacta negativamente a produtividade e a competitividade das empresas, que precisam investir em medidas de segurança privada para proteger seus funcionários e bens, conforme mostram os dados e estatísticas aqui citados.


Outro prejuízo significativo refere-se às contas públicas. Conforme o artigo 144 da Constituição, a segurança pública é uma responsabilidade compartilhada de todas as unidades federativas. Ao Governo Federal compete o policiamento das fronteiras, combate ao tráfico internacional e interestadual de drogas e patrulhamento das rodovias sob sua jurisdição. Os estados e o Distrito Federal são responsáveis pelo policiamento ostensivo e judiciário, manutenção e organização das polícias Militar e Civil. As prefeituras devem zelar pelo patrimônio público das cidades e desenvolver ações de prevenção, por meio da instalação de equipamentos como iluminação e câmeras.

Assim, cada um dentro de suas atribuições, mas num contexto de coordenação nacional, precisa investir mais e de modo mais focado em equipamentos, treinamentos e tecnologias para modernizar as forças de segurança e combater a criminalidade. Este transtorno também gera custos para a Previdência Social e o sistema de saúde, no atendimento às milhares de pessoas que, vítimas da violência, acabam incapacitadas para o trabalho e/ou precisam ser atendidas em hospitais.

A criminalidade, assim como ocorre com outros países nos quais o problema é igualmente grave, prejudica a imagem do Brasil no cenário internacional, afastando investidores e turistas e retardando muito nosso desenvolvimento. Por isso, é premente investir em políticas públicas eficientes, incluindo a educação e um ciclo duradouro de inclusão social, para combater a violência e garantir a segurança da população, promovendo um ambiente mais seguro, pacífico e tranquilo para todos.

 

(*) é presidente emérito e diretor-superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit).

quinta-feira, 11 de maio de 2023

Os Efeitos Nocivos da Ausência de Atualização da Tabela de Imposto de Renda

 

A inflacão, o imposto de renda e seus impactos sociais

César Piorski (*)

Margaret Thatcher, a ex-primeira ministra britânica, certa vez afirmou que "o governo não pode dar nada sem ter retirado antes". Com efeito, apesar de pretérita, a frase da ex-ministra se mostraria profética para o Brasil, onde problemas econômicos são resolvidos a partir soluções (pseudo) salomônicas, criando um contexto socialmente perverso e economicamente cruel.

Neste contexto, ao longo dos últimos oito anos, a solução (pseudo) salomônica encontrada pelo governo a fim de cumprir o seu papel de promover a distribuição de renda, segurança, justiça e proteção social não tem sido outra senão retirar de Pedro para dar a Paulo e, com isso, piorar a situação de ambos. O engenhoso mecanismo que permite tal façanha consiste em aumentar a tributação de maneira oculta, o que pode ser feito a partir da desvalorização monetária, tecnicamente conhecida como inflação.

No período compreendido entre abril de 2015 e fevereiro de 2023, o poder de compra da nossa moeda, medido pelo IPCA, derreteu 55%. Curiosamente a tabela do imposto de renda não seguiu a mesma lógica. Com isso, a falta de correção dos valores da tabela do Imposto de Renda pela inflação acaba fazendo com que muitas pessoas, principalmente aquelas sem capacidade contributiva sejam tributadas injustamente, caracterizando um inacreditável "confisco do fisco".

Para entender melhor essa situação, é preciso analisar as tabelas que mostram a diferença entre os valores da tabela do Imposto de Renda e os valores corrigidos pela inflação. Em 2015, por exemplo, a faixa de isenção do Imposto de Renda era de até R$ 1.903,98. Se esse valor fosse corrigido pela inflação, em 2023, essa faixa de isenção seria de R$ 2.951,16.

Ademais, perceba que o valor de R$ 2.951,16, que num sistema honesto e justo seria isento, é tributado a uma alíquota de 15% pela tabela congelada do Imposto de Renda. Ou seja, atualmente, muitas pessoas que não teriam que pagar Imposto de Renda acabam sendo tributadas por causa do descompasso entre a inflação e a correção dos valores da tabela.

 

Faixa de Renda (2015)            Alíquota IR      Faixa de Renda Corrigida

 

R$ 1.903,98                                 Isento                     R$ 2.951,16

De R$ 1.903,99 a R$ 2.826,65     7.5%          R$ 2.951,16 a R$ 4.381,30De R$ 2.826,66 a R$ 3.751,05         15.0%          R$ 4.381,32 a R$ 5.814,12

De R$ 3.751,06 a R$ 4.664,68   22.5%          R$ 5.814,12 a R$ 7.229,94

Acima de R$ 4.664,68                27.5%         Acima de R$ 7.229,94

Essa situação é ainda mais grave quando se olha para as outras faixas de renda. Em 2015, a faixa de renda que era tributada com a alíquota máxima de 27,5% começava a partir de R$ 4.664,68. Se esse valor fosse corrigido pela inflação, em 2022, essa faixa de renda deveria ser de R$ 7.229,94. Ou seja, muitas pessoas que ganham muito menos do que isso atualmente acabam sendo tributadas com a alíquota máxima, o que além de injusto é, no mínimo, perverso.

Contudo, este tenebroso arcabouço pode se revelar ainda mais desumano. Para tanto, basta que se observe as implicações desta prática. Muitas pessoas que são tributadas injustamente acabam tendo que cortar gastos orçamentários em áreas como saúde, educação, alimentação e transporte para poder pagar o imposto. Isso acaba gerando um impacto negativo não só na vida dessas pessoas, mas também na economia como um todo.

Dessa forma, a ausência de correção inflacionária na tabela do Imposto de Renda cria um desincentivo para que os indivíduos busquem aumentar sua renda, pois isso pode significar um aumento na alíquota de imposto que eles pagarão, mesmo que sua capacidade contributiva real não tenha sido ampliada. Isso pode ter consequências negativas para o crescimento econômico, já que os indivíduos podem deixar de investir em sua formação e empreender em novos negócios, tudo isso a fim de evitar o injusto ônus tributário.

Como se não bastasse, a falta de correção inflacionária na tabela do Imposto de Renda também cria um incentivo perverso para a sonegação fiscal. Como os indivíduos são tributados de forma desproporcional em relação à sua capacidade contributiva real, eles podem se sentir injustiçados e tentados a burlar o sistema tributário, reduzindo a arrecadação de impostos e prejudicando o financiamento das políticas públicas.

Assim, entende-se que o principal pilar da proteção social é um sistema tributário que estimule a produção, a formação de capital e o empreendedorismo, além de garantir a justiça fiscal, sendo o primeiro passo para isso a correção da tabela do Imposto de Renda. Somente assim as políticas públicas poderão cumprir com seu verdadeiro objetivo, que é ajudar aqueles que precisam, e não os prejudicar, como tem sido nossa prática comum.

 

*César Piorski é Doutor, Mestre e Bacharel em economia com especializações em Economia de Empresas, Engenharia Financeira e Macrocenários. Atua como estrategista da Volk Capital, empresa que fundou em 2022.

sexta-feira, 5 de maio de 2023

O Chat GPT na gestão financeira?

 


ChatGPT: Uma nova era na gestão financeira pessoal

por Bruno Loiola, cofundador e CGO da Pluggy


Este artigo não foi escrito pelo ChatGPT, mas com certeza o futuro da gestão financeira vai ser.

Antes de falarmos sobre isso, vamos dar um passo para trás e voltar a 2016, com a criação da BIA, inteligência artificial do Bradesco, uma iniciativa do banco para melhorar a experiência do cliente no atendimento bancário. Desde então, a BIA tem sido aprimorada e atualizada com novas funcionalidades. Em 2020, a ferramenta realizou mais de 178 milhões de atendimentos durante o ano e foi responsável por 70% dos atendimentos realizados pelo banco em canais digitais. Entre as principais funcionalidades, estão consultas de saldo e extrato, transferências, pagamentos de contas, recarga de celular, contratação de empréstimos, investimentos e seguros. Ela também está integrada ao Next, a conta digital do Banco Bradesco, oferecendo informações em tempo real sobre gastos, receitas e investimentos. Por ser uma importante e inovadora ferramenta para atendimento bancário, por vezes foi eleita a melhor assistente virtual do mercado financeiro brasileiro, com um índice de satisfação de 84%.
Mas qual o futuro desse tipo de solução?

Embora a gestão financeira seja uma importante ferramenta que apoia a garantia de um futuro financeiro seguro e estável, percebe-se um gap em seu oferecimento na prática. Isso porque trata-se de uma tarefa desafiadora, principalmente olhando para dados de educação financeira no Brasil: em pesquisa para Leve, 52% dos entrevistados não possuem ou não sabem como montar um planejamento financeiro para os próximos anos.

É aqui que entra minha aposta para o futuro: o ChatGPT.
Segundo o próprio Chat: Ele “pode ser usado para ajudar nas finanças pessoais, permitindo que as pessoas gerenciem suas finanças de forma mais eficiente”. Mas como? Acredito que ao lado de outra inovação financeira importante: O Open Finance. Imagine conectar suas contas de diferentes instituições financeiras ao ChatGPT, podendo contar com um assistente financeiro pessoal, gerenciando seu orçamento mensal, oferecendo conselhos importantes para ajustes em seus gastos de modo a economizar, otimizando metas financeiras, analisando seus investimentos e até gerando relatórios financeiros detalhados.

Finalmente poderemos utilizar a inteligência virtual para responder perguntas como: “Posso sair pra jantar hoje?”

Com respostas do tipo:
1) É melhor você preparar algo em casa já que seu orçamento para comidas fora de casa já foi ultrapassado esse mês!

2) Parece uma ótima ideia! Mas limite-se a R80, pois isso pode comprometer o pagamento do seu cartão de crédito no dia 20.

3) Vai fundo! Recalibrei suas finanças para que você consiga jantar tranquilo. Divirta-se!

O ChatGPT abre possibilidades imensas sobre o futuro e faz com que as soluções que temos atualmente pareçam pré-históricas. Esse é o futuro em que eu aposto. E estamos mais próximos dele do que imaginamos.

Ilustração: Bastidores.