terça-feira, 29 de julho de 2025

Indústria Precisa ter Competitividade

 

A revolução industrial começa com resultados

Por Walter Maia*


A transformação digital não é mais uma opção; é uma necessidade. No Brasil, 64,6% das empresas industriais já investem em inovação, totalizando mais de R$ 38,3 bilhões em pesquisa e desenvolvimento. Esse movimento é impulsionado por políticas como a Nova Industria Brasil, que mobilizou R$ 3,4 trilhões em investimentos até 2025.

Neste artigo, compartilho uma visão estratégica sobre como as empresas líderes estão utilizando a “inovação que entrega” para gerar impacto mensurável. 

Inovar não é apenas implementar novas tecnologias ou ideias. Inovar é transformar recursos em valor real, tangível e mensurável para os negócios. No Brasil, setores estratégicos já registram taxas de inovação superiores a 85%, evidenciando que a competitividade está diretamente ligada à capacidade de conectar tecnologia e estratégia.

Empresas com maior maturidade digital colhem os frutos desse alinhamento. Estudos mostram que organizações que priorizam projetos digitais escaláveis, com foco em ROI, registram crescimento do EBITDA até três vezes superior em relação àquelas que permanecem em estágios iniciais.

A expressão “inovação que entrega” traduz esse conceito: projetos que combinam tecnologia, dados e processos para gerar eficiência, reduzir custos e, ao mesmo tempo, ampliar a competitividade.


Tendências que impulsionam a indústria 4.0

A transformação digital industrial é impulsionada por quatro grandes forças: inteligência artificial (IA), internet das coisas (IoT), gêmeos digitais e automação avançada. Essas tecnologias, antes restritas a experimentos, tornaram-se o núcleo das estratégias de eficiência, segurança e sustentabilidade.

No Brasil, a adoção da IA dobrou de 12% em 2024 para 25% em 2025, com ganhos expressivos em produtividade e resultados financeiros. Gêmeos digitais, por sua vez, permitem simulações precisas de processos, reduzindo riscos operacionais e custos de manutenção. Já a combinação de automação com IoT está conectando linhas de produção a sistemas em tempo real, ampliando a visibilidade e a tomada de decisão baseada em dados.

O país ocupa hoje a 44ª posição no ranking global de prontidão digital, mas projeta que 50% das empresas industriais estarão digitalizadas até 2033, indicando uma corrida por integração tecnológica em larga escala.


Casos que mostram resultados concretos

A inovação só é reconhecida quando entrega resultados tangíveis. A Vale, por exemplo, estruturou um robusto ecossistema de inovação aberta com o MiningHub, conectando mineradoras, startups e fornecedores globais. Com big data, automação e IA, a empresa reduziu riscos operacionais e aumentou a produtividade, investindo em frotas autônomas e sistemas preditivos para operações mais seguras.

Outro exemplo é a ArcelorMittal, que implementou inteligência artificial na unidade de Resende (RJ) para inspeção de bobinas de aço. O sistema Standard Coil alcançou 89% de assertividade e reduziu retrabalhos em 30%.

No setor logístico, a Portocel tornou-se pioneira ao operar caminhões 100% autônomos, em parceria com a Lume Robotics e VIX Logística. O investimento em automação portuária, incluindo o primeiro spreader automático de alta capacidade para celulose, já desperta interesse internacional.

Esses exemplos reforçam que a verdadeira inovação envolve visão estratégica, foco em ROI e impacto direto na competitividade.

Apesar dos avanços, a transformação digital ainda enfrenta obstáculos significativos. Estudos mostram que 70% das iniciativas digitais falham por fatores culturais, como resistência interna e falta de engajamento das lideranças.

Outro desafio é a escassez de profissionais qualificados. O déficit já se aproxima de 800 mil especialistas em tecnologia no Brasil, enquanto a capacidade de formação anual está muito abaixo dessa demanda. Além disso, o alto custo inicial e a desigualdade na infraestrutura digital, especialmente em áreas industriais remotas, ainda dificultam a escalabilidade dos projetos.

Superar esses desafios exige visão de longo prazo, parcerias estratégicas com startups e centros de pesquisa, e a adoção de ecossistemas colaborativos que acelerem a inovação e reduzam riscos.


Caminhos para a indústria avançar

Para que a transformação digital seja realmente sustentável, é fundamental que a alta liderança assuma um papel ativo na definição da estratégia e na promoção de uma cultura de inovação. Projetos de alto impacto começam com objetivos claros, KPIs bem definidos e foco em mensurar produtividade, eficiência e retorno sobre investimento.

A indústria precisa, mais do que nunca, unir forças entre empresas, startups e centros de pesquisa para criar ecossistemas que favoreçam experimentação e escalabilidade. A integração entre inovação tecnológica, práticas de ESG e eficiência operacional será o fator que definirá as empresas protagonistas da Indústria 4.0.

 “Inovação que entrega” é, portanto, pensar estrategicamente, executar com precisão e gerar impacto sustentável.


*Walter Maia é diretor de Inovação, Digital e Investimentos Estratégicos na Timenow. Lidera iniciativas de expansão inorgânica e transformação digital, conectando tecnologia a resultados de negócios em mercados regionais e globais.

domingo, 27 de julho de 2025

STF, censura e liberdade de expressão: o dilema digital brasileiro

 

A liberdade de expressão, pilar das democracias, enfrenta novos e complexos desafios na era digital. No Brasil, decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a responsabilidade de plataformas digitais reacenderam um debate fundamental: onde termina a liberdade e começa o risco da censura? Para compreender essa tensão, é essencial revisitar as raízes históricas desse direito, especialmente o pensamento seminal de John Milton (1608-1674).
Milton, em sua magistral "Areopagítica" (1644), ergueu uma das mais veementes defesas da liberdade de expressão e de imprensa. O título de sua obra, remete ao Areópago ateniense — antigo conselho de debate e julgamento onde o apóstolo São Paulo discursou (Atos 17) —, que simboliza um fórum de sabedoria e debate racional. Confrontando a censura prévia, Milton argumentava que uma obra deve ser "examinada, refutada e reprovada", e não proibida.

Para Milton, a leitura, mesmo de "livros maus" ou heréticos, era essencial. Ele citava figuras como Moisés, Davi e Paulo como eruditos que liam "livros de todos os tipos", sustentando que o confronto com o erro nos permite aprender e discernir a verdade. A essência de seu pensamento residia na crença de que Deus dotou cada pessoa com razão e livre arbítrio para julgar ideias por si mesmas. A visão de Milton, de que a verdade prevalece no livre confronto de ideias, influenciou diretamente a Primeira Emenda da Constituição dos EUA e foi citada pela Suprema Corte americana em casos que defendem uma ampla proteção da liberdade de expressão.
O Tribunal citou nominalmente Milton em casos históricos, como New York Times Co. v. Sullivan, para explicar o valor inerente inclusive de declarações inicialmente tidas como falsas, e em Times Film Corporation v. Cidade de Chicago, para elucidar os perigos da censura prévia. O juiz William O. Douglas, em Eisenstadt v. Baird, e o juiz Hugo L. Black, em sua discordância no caso Partido Comunista dos Estados Unidos v. Subversive Activities Control Board, também invocaram Milton para defender uma proteção ampla e abrangente da liberdade de expressão e associação.
No Brasil, a chegada da internet e das redes sociais impôs um novo cenário. O Artigo 19 do Marco Civil da Internet (2014) visava proteger a liberdade de expressão, responsabilizando plataformas por conteúdo de terceiros apenas após ordem judicial e seu descumprimento. Contudo, o Supremo Tribunal Federal tem revisitado essa interpretação. Decisões recentes da Corte impuseram responsabilização direta às plataformas para certas categorias de conteúdos considerados ilícitos pelo STF. Para outros crimes, como os contra a honra, a ordem judicial prévia ainda é necessária, mas a reiteração de conteúdo já julgado ilegal pode gerar responsabilidade com notificação extrajudicial. Essa nova abordagem do Supremo, suscita preocupações legítimas sobre a emergência de censura. Ao exigir que empresas privadas façam um "juízo prévio" sobre a legalidade de um conteúdo, o STF as coloca em uma posição de "polícia da internet". Há o risco evidente de que, para evitar penalidades, as plataformas optem pela remoção excessiva de conteúdos, mesmo aqueles que não são claramente ilícitos, suprimindo o debate e a diversidade de opiniões. Esse cenário também levanta a questão da imparcialidade e da capacidade técnica das empresas para tal tarefa.

A gravidade desse risco é amplificada pelo contexto político brasileiro, com um governo de esquerda, que se diz comunista, alinhado a regimes autoritários conhecidos pela repressão à liberdade de expressão e de imprensa – como China, Rússia, Irã, Venezuela, entre outros. Nesses países, a supressão de vozes dissidentes é uma prática comum, e a liberdade de expressão é severamente restringida em nome da "segurança nacional" ou da "ordem social". A lição de John Milton, de que a verdade prevalece no livre confronto de ideias e que a censura é uma ferramenta da tirania, ressoa com urgência.
Garantir que o combate à desinformação não se transforme em uma porta para a supressão de opiniões legítimas, mesmo as impopulares, é o grande desafio. O equilíbrio entre coibir abusos e proteger a essência da liberdade de expressão exige clareza legislativa, transparência nas decisões e, acima de tudo, um compromisso inabalável com o "mercado de ideias" que Milton tão eloquentemente defendeu.

Eduardo Berbigier é advogado tributarista, especialista em Agronegócio, membro dos Comitês Juridico e Tributário da Sociedade Rural Brasileira e CEO do Berbigier Sociedade de Advogados.

Ilustração: Correio Braziliense. 

sábado, 26 de julho de 2025

Autoatendimento é solução para bares e restaurantes

Crise no setor de bares e restaurantes e o autoatendimento como solução

Por Daniella Nishikawa (*)

O setor de bares e restaurantes no Brasil vive uma crise estrutural que compromete não apenas sua eficiência, mas também sua capacidade de continuar operando. De acordo com dados da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), 90% dos empresários relatam dificuldades para contratar colaboradores qualificados. Entre eles, 64% citam a escassez de mão de obra capacitada como o principal desafio, enquanto 61% afirmam que nem sequer conseguem atrair interessados para as vagas.

A situação se torna ainda mais alarmante quando observamos a taxa de rotatividade, que chega a 74,3%. Esse número é mais que o dobro da média do setor de serviços, estimada em 35%. O problema vai além da contratação. Ele expõe o esgotamento de um modelo de negócios antiquado, que ainda resiste à transformação digital em um mercado cada vez mais competitivo.

Muitos estabelecimentos seguem presos a práticas operacionais ultrapassadas. Essas práticas já não atendem às exigências atuais e dificultam ainda mais a atração e retenção de talentos. Os consumidores de hoje valorizam agilidade, autonomia no atendimento e padronização na experiência. Esses atributos podem ser facilmente entregues por meio de soluções tecnológicas simples, mas eficazes.

Grandes redes internacionais já demonstram que é possível transformar esse cenário. McDonald’s e Burger King, por exemplo, incorporaram totens de autoatendimento em suas estratégias operacionais. A mudança resultou em ganhos expressivos, como a melhoria no fluxo de atendimento, a redução de custos com demissões e contratações e o aprimoramento da experiência do cliente. Além disso, permitiu a realocação de profissionais para áreas mais estratégicas, como a preparação dos alimentos, o controle de qualidade e o relacionamento direto com o público.

A tecnologia deixou de ser um diferencial. Tornou-se uma necessidade básica para a sobrevivência no setor. Em um ambiente marcado pela escassez de profissionais e pela alta rotatividade, a digitalização não pode mais ser adiada. Negar a transformação digital representa, hoje, uma ameaça real à competitividade dos negócios.

Portanto, é hora de abandonar a lógica da improvisação e investir em processos sustentáveis, com base em dados, automação e eficiência. A inovação não é mais um plano para o futuro. É uma urgência do presente. Quem resistir ao novo corre o risco de desaparecer. Já quem entender o momento como uma chance de reconstrução pode não apenas sobreviver, mas liderar a próxima fase de evolução do setor.

(*) é advogada e sócia da iHUNGRY Tecnologia, empresa inovadora no setor de soluções digitais para alimentação fora do lar. Com uma visão estratégica e multidisciplinar, Daniella atua na interseção entre direito, tecnologia e negócios, contribuindo para o crescimento sustentável da iHUNGRY e para a transformação digital no setor de food service.

Ilustração: Associação Nacional de Restaurantes.

sexta-feira, 11 de julho de 2025

SAÚDE MENTAL E A NOVA REGULAMENTAÇÃO-NR-1


 NR-1 e Saúde Mental: uma oportunidade que as empresas não podem ignorar

*Dr. Alberto José Niituma Ogata, Doutor em Saúde Coletiva (USP) e Pesquisador associado do Centro de Estudos em Planejamento e Gestão em Saúde (FGV Saúde)

Em 2024, o Brasil bateu recorde de afastamentos por saúde mental. De acordo com dados do Ministério da Previdência Social, foram quase meio milhão de licenças médicas concedidas devido ansiedade ou depressão, o maior número desde 2014¹. Esse número também representa um crescimento de 68% em relação aos afastamentos em 2023¹.
 
A crise de saúde mental no Brasil se tornou tão preocupante, inclusive para a economia e produtividade brasileira, que o governo federal anunciou, em janeiro de 2025, uma atualização da Norma Regulamentadora 1 (NR-1), norma que estabelece disposições gerais sobre as diretrizes e estruturas do gerenciamento de riscos ocupacionais no Brasil. Agora, a NR-1 reconhece os fatores psicossociais como componentes essenciais para a proteção da integridade física e mental dos trabalhadores, obrigando os empregadores a implementarem um planejamento para controle dos riscos ocupacionais relacionados à saúde mental.
 
Os fatores psicossociais impactam diretamente a saúde mental e a produtividade. Sua inclusão no escopo do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) sinaliza um avanço importante. No entanto, compreender e intervir sobre esses fatores exige um olhar que vá além do ambiente físico de trabalho.
 
A realidade do trabalhador brasileiro é profundamente marcada por determinantes sociais que afetam sua saúde de forma estrutural. A renda, o grau de escolaridade, a moradia, o acesso a transporte, a segurança e, sobretudo, as desigualdades raciais e de gênero compõem um cenário de vulnerabilidades que não podem ser ignoradas na análise dos riscos psicossociais. Um trabalhador exposto à insegurança alimentar ou à violência urbana está mais suscetível ao adoecimento mental, mesmo em ambientes de trabalho adequados do ponto de vista técnico.
 
Em uma realidade como essa, é complexo medir o quanto da saúde mental do trabalhador está sendo prejudicada exclusivamente pelo trabalho. E é ainda mais complexo – apesar de extremamente necessário – elaborar planos de ação verdadeiramente efetivos. Não à toa, o governo decidiu adiar a aplicação de multas em relação ao cumprimento da NR-1 por um ano, dando mais tempo para as empresas se planejarem.
 
De acordo com a 31a Pesquisa de Benefícios Corporativos, realizada pela Mercer Marsh Benefícios, 65% das empresas afirmam ter ações de saúde e bem-estar2. No entanto, se excluirmos ações pontuais como palestras, massagens, salas de descompressão e campanhas de Setembro Amarelo, sobra apenas 16% que desenvolve ações que cumprem todas as premissas necessárias para um programa efetivo2. É necessário assegurar que as empresas promovam um cuidado interdisciplinar e construam ambientes organizacionais que respeitem os limites humanos e possibilitem o desenvolvimento profissional. Gestores e profissionais de saúde devem abandonar a visão de que os fatores psicossociais são “problemas individuais” do trabalhador. Além disso, empresas que oferecem planos de saúde devem se comprometer com o uso qualificado dessa rede, orientando o trabalhador sobre o acesso, estimulando o acompanhamento multiprofissional e monitorando a efetividade dos tratamentos.
 
Tanto na saúde pública quanto na privada, há o desafio do déficit de médicos psiquiatras para atuar em rede e com acesso adequado aos pacientes. Por isso, a abordagem dos transtornos mentais comuns demanda linhas de cuidado estruturadas com base nas melhores evidências científicas disponíveis. Protocolos clínicos, acompanhamento contínuo, terapias psicológicas e, quando necessário, intervenções farmacológicas devem fazer parte de uma estratégia integrada, acessível e sustentável — tanto no setor público quanto no privado. A integração entre os serviços da rede pública e privada, quando orientada por princípios de qualidade e continuidade do cuidado, amplia o alcance e a resolutividade dessas ações.
 
A NR-1, ao incorporar os fatores psicossociais ao gerenciamento de riscos ocupacionais, abre caminho para uma nova cultura de saúde no trabalho — mais humana, inclusiva e integrada. A cultura de saúde não se revela meramente pela contratação de uma consultoria especializada e adoção de “EPIs” em saúde mental, como apenas a oferta de serviços de telepsicologia. Trata-se de uma oportunidade estratégica para as empresas, e não apenas do cumprimento de uma obrigação legal. Ao promover ambientes saudáveis e sustentáveis, as organizações fortalecem seu capital humano, aumentam sua competitividade e contribuem para uma sociedade mais justa. Encarar a NR-1 sob essa ótica é transformar o cuidado com a saúde dos trabalhadores em um ativo corporativo valioso e perene. As empresas que agirem agora terão uma vantagem competitiva no futuro do trabalho.
 
Referências
  1. G1. Crise de saúde mental: Brasil tem maior número de afastamentos por ansiedade e depressão em 10 anos. MARÇO, 2025. Disponível em https://g1.globo.com/trabalho-e-carreira/noticia/2025/03/10/crise-de-saude-mental-brasil-tem-maior-numero-de-afastamentos-por-ansiedade-e-depressao-em-10-anos.ghtml. Acesso em 28/04/2025.
  2. Mercer Marsh Benefícios. 31ª Pesquisa de Benefícios Corporativos. Edição 2023-24. Disponível em https://www.marsh.com/pt-br/services/employee-health-benefits/insights/31st-corporate-benefits-survey-check-out-this-editions-insights.html. Acesso em 28/04/2025.
Ilustração: Dr. Consulta.