O desmantelamento silencioso da democracia
Eduardo Berbigier (*)
As contínuas manifestações de descontentamento, vistas em frente aos quartéis em 2022 e, mais recentemente, em diversas cidades, sinalizam que uma parcela significativa da população brasileira entende profundamente os desafios políticos do país. Longe de serem meros atos isolados de frustração, esses movimentos revelam um crescente despertar cívico e a clara percepção de que as estruturas tradicionais de poder e representação não estão mais atendendo aos anseios populares. É um clamor que indica que a sociedade não apenas reconhece a crise institucional em curso, mas também busca, de forma ainda incipiente, os meios para resistir ao que muitos consideram ser um desmantelamento gradual e silencioso da ordem democrática estabelecida.
Em um trecho marcante (capítulo 16), Pablo Escobar notifica o Coronel Pedregal, comandante das forças policiais, com um ultimato claro: "Ou recebe 100 mil dólares mensais [...] para oferecer a proteção necessária ao Cartel de Medellín, de modo que não tenham problemas com a lei, ou eu mato o senhor, seu pai, sua mãe, seus tios, sua esposa Maria, seus filhos Santiago e Pilar e até sua avó. Se sua avó já morreu, eu a desenterro e a mato de novo". Ao ser questionado se era uma ameaça, Escobar responde que é uma "notificação oficial".
Essa ficção levanta um questionamento crítico: se a política é dominada e o Estado é fragilizado, setores da administração pública podem estar vivendo uma coação semelhante, onde a escolha não é entre o certo e o errado, mas sim entre a submissão e a destruição. A política, mais do que nunca, exige a eterna vigilância.
O declínio da República e o risco de irreversibilidade
O atual governo brasileiro, sob o pretexto de estabilidade e "pacificação", tem levado a cabo um projeto de poder que solapa as fundações da República. A insistente investida sobre o arcabouço fiscal, a manutenção de um inchaço ministerial alimentado por critérios puramente políticos em detrimento da meritocracia e a clara priorização de gastos clientelistas em detrimento do saneamento básico e da infraestrutura essencial, demonstram um alarmante descompromisso com o futuro sustentável da Nação. O preço dessa política, focada na perpetuação do status quo e no financiamento da máquina ideológica, será pago por gerações, na forma de um endividamento insustentável e da paralisia do desenvolvimento.
Ademais, a tolerância e até o incentivo a um discurso que busca reescrever a história recente do País e deslegitimar instituições que, historicamente, se opuseram ao seu projeto hegemônico, criam um ambiente de profunda incerteza jurídica e social. Ao promover uma política externa baseada em alinhamentos ideológicos arriscados, em detrimento dos interesses comerciais estratégicos do Brasil, e ao permitir que a corrupção volte a pairar sobre estatais e fundos de investimento com uma inquieta familiaridade, o governo não apenas flerta com o autoritarismo, mas pavimenta o caminho para a irreversibilidade do declínio institucional. A responsabilidade por esse silencioso desmantelamento recai sobre uma gestão que trocou a governança pela doutrina.
(*) é advogado tributarista, especialista em Agronegócio, membro dos Comitês Juridico e Tributário da Sociedade Rural Brasileira e CEO do Berbigier Sociedade de Advogados.