sexta-feira, 5 de setembro de 2025

Permita-se Viver é um convite para respirar e refletir de Thaísa Clapham

 


RESPIRE E PERMITA-SE VIVER: UM CONVITE À PRESENÇA NO SETEMBRO AMARELO

Por Thaísa Clapham (*)

Vivemos em um mundo marcado pelo excesso de estímulos, pressa e distrações constantes. Entre notificações, demandas e preocupações, nossa mente não para: fala, julga, compara, repete histórias antigas. No budismo, essa inquietude é comparada a um macaco agitado, sempre pulando de galho em galho. Foi a partir dessa metáfora que escrevi Quem está falando na minha cabeça? (Editora Labrador). No Setembro Amarelo, mês voltado para discussão sobre temas de saúde mental, torna-se ainda mais importante discutir o que trago no livro: um caminho para compreender e silenciar o “macaco tagarela” e cultivar presença, serenidade e autoconhecimento.

O que é a mente-macaco e as sete chaves para educar a mente

Chamo esse padrão mental repetitivo de Programa Mente-Macaco Condicionada (PMMC). Ele funciona como um software interno que reforça ansiedades, crenças limitantes e hábitos automáticos. Quando não percebido, assume o controle de nossas vidas, como se fôssemos conduzidos por um colega de quarto falante e inconveniente. A boa notícia é que não precisamos expulsar esse macaco, mas aprender a educá-lo, transformando-o em aliado no processo de despertar.

Inspirada pela máxima grega “Conhece-te a ti mesmo” e pelos ensinamentos do yoga, dos Vedas, do budismo e da filosofia perene, reuni no livro sete chaves de libertação: respiração consciente, atenção plena, comunhão com a natureza, afirmações e mantras, prática da gratidão, escrita em diário e meditação. Essas práticas simples e ancestrais, quando aplicadas ao cotidiano, ajudam a quebrar a identificação com os pensamentos e a reconhecer quem realmente somos além da mente.

Neste ponto, convido você a pausar a leitura por um instante. Inspire profundamente pelo nariz, expanda o abdômen como um balão e solte lentamente, permitindo que o abdômen desça com naturalidade. Sinta a paz se espalhar pelo seu corpo. Essa é a respiração diafragmática, a respiração dos bebês: natural, profunda, sem esforço. Perceba como apenas um minuto de atenção à respiração já muda o ritmo interno. Continue a leitura sentindo-se mais presente.

A Fórmula P.A.R.E. — uma pausa que transforma

Uma das ferramentas centrais é a Fórmula PARE — Pare, Atenção, Respire, Engaje-se. Esse método oferece um atalho para interromper o fluxo automático de pensamentos, observar a mente-macaco, usar a respiração como âncora e, então, retornar ao presente. Parece simples, mas é transformador: ao mudar a forma como respiramos, mudamos também como nos sentimos e nos relacionamos com o mundo.

A respiração, aliás, é apresentada como a primeira e mais poderosa chave.Na tradição do yoga, ela é a ponte entre corpo e mente. Respirações curtas e superficiais refletem ansiedade; respirações longas e profundas trazem calma e clareza. Técnicas como a respiração diafragmática, a respiração quadrada e a alternada (nadi shodhana) tornam-se, assim, práticas acessíveis de equilíbrio emocional e mental.

Experimente agora: inspire contando até quatro, segure o ar por quatro tempos, expire também em quatro tempos e faça uma breve pausa antes de recomeçar. Essa “respiração quadrada” é simples, mas poderosa para reequilibrar corpo e mente, especialmente em meio a um dia cheio.

Na tradição hindu, a vida não é medida em anos, mas em respirações. Cada respiração pode ser um portal para a calma, para a clareza, para o autodomínio. Como disse Sócrates: “Respirar é governar-se mesmo, e quem governa-se mesmo governa a própria vida.”

Como a ciência comprova tudo isso?

Pesquisas da Universidade de Harvard demonstraram que o mindfulness e a atenção plena melhoram a saúde mental ao reduzir o estresse e a ruminação mental, e podem alterar a estrutura cerebral, aumentando a massa cinzenta em áreas ligadas à atenção e regulação emocional.

A neurociência explica parte desse processo: temos entre 50 e 70 mil pensamentos por dia, e cerca de 85% deles são repetidos, segundo Joe Dispenza. Não é de se espantar que terminemos o dia exaustos, como um “macaco correndo dentro da roda de hamster”. A prática do silêncio, da observação e da gratidão nos convida a sair desse ciclo. Pesquisas recentes comprovam, inclusive, que cultivar a gratidão reduz inflamação, melhora a imunidade e diminui a pressão arterial.

“Você não é o barulho na sua cabeça — é a consciência que observa.”

Setembro Amarelo nos convida a lembrar que ninguém precisa caminhar sozinho. Cuidar da saúde mental é um ato de coragem. Se a mente está acelerada demais, respire — e, se precisar, procure alguém. Há profissionais e redes de apoio prontos para ajudar.

Respire, observe, silencie. Descubra que você não é seus pensamentos — você é a consciência que os observa. O verdadeiro despertar começa quando cessamos de nos identificar com a mente-macaco e reconhecemos a presença serena que já habita em nós.

Quem está falando na minha cabeça? nasceu do desejo de reunir anos de vivência como professora de meditação e yoga, certificada por Deepak Chopra, e como mentora em autoconhecimento. O processo de escrita, que levou um ano e meio, foi para mim tão transformador quanto espero que seja para cada leitor: uma oportunidade de mergulhar nas próprias vozes internas, discernir o que é ruído e o que é essência, e aprender a escolher com qual voz queremos dialogar.

No fim, a pergunta que dá título à obra não busca uma resposta única, mas um despertar: quem está falando na sua cabeça? Talvez, ao se perguntar, você inicie a jornada de autoconhecimento e encontre o silêncio que sempre procurou. Entre o ruído e o silêncio, escolha sempre voltar para casa: o presente momento.

(*)  é autora, professora de meditação, yoga e mentora em autoconhecimento. Formada em Administração de Empresas com especialização em Marketing, deixou Belo Horizonte, capital mineira, há mais de três décadas para viver nos Estados Unidos, onde hoje reside em Windermere, Flórida.

terça-feira, 2 de setembro de 2025

IA redesenha o mercado de empregos de 2030 afirma Antonio Muniz

 


85% dos empregos de 2030 ainda não existem: como a IA está redesenhando o mercado de trabalho e o que o futuro reserva?

Por Antonio Muniz - Especialista em tecnologia e carreira, autor do autor do livro "Smart Skills: Descubra seus pontos fortes para uma carreira produtiva e feliz"

A inteligência artificial (IA) está remodelando o mercado de trabalho em uma velocidade inédita e o Brasil já sente esse impacto. Uma pesquisa da Gupy mostra que a procura por profissionais com conhecimentos em IA cresceu 306% em um ano. 

Globalmente, segundo o Fórum Econômico Mundial (FEM), 170 milhões de novas vagas surgirão até 2025, enquanto outras 92 milhões devem ser extintas devido à automação, resultando em um saldo positivo, mas com perfis de competências totalmente diferentes dos que temos hoje.

No Brasil, setores como finanças, agronegócio, saúde e varejo já utilizam algoritmos para análise preditiva, atendimento inteligente e automação de processos. Bancos como o Itaú criaram hubs internos de IA para desenvolver soluções próprias, enquanto o Magazine Luiza investe em assistentes virtuais e automatização de logística. Isso exige profissionais aptos a trabalhar lado a lado com a tecnologia — em funções que, muitas vezes, ainda nem existem.

Segundo a Dell Technologies, 85% dos empregos de 2030 ainda não foram criados. Isso representa um enorme desafio para profissionais e para os departamentos de Recursos Humanos: como preparar pessoas para funções que sequer foram definidas? 

Profissões em transformação: o que já está acontecendo

A automação não reduz apenas custos, ela redefine a forma de trabalhar. No Brasil, os impactos são claros. Na área da saúde, por exemplo, os hospitais adotam IA para diagnóstico e predição de riscos, abrindo espaço para funções como especialistas em interoperabilidade de dados clínicos. 

No agronegócio, os drones monitoram lavouras, exigindo pilotos e analistas de dados geoespaciais e na indústria, as fábricas estão cada vez mais inteligentes e dependem de engenheiros de automação com visão em ciência de dados.

Um exemplo emblemático é o surgimento dos pilotos de drone. Inicialmente um hobby, rapidamente se transformou em uma profissão formal com cursos e certificações, agora essencial em agronegócio, inspeções industriais e logística. Essa mesma dinâmica se repetirá com as carreiras impulsionadas pela IA.

Quais habilidades serão indispensáveis?

Mesmo com tecnologias cada vez mais poderosas, competências humanas continuarão sendo o diferencial. Criatividade, pensamento crítico, inteligência emocional, liderança e empatia são difíceis de substituir por algoritmos.

No Brasil, um levantamento do LinkedIn indica que as vagas que mais cresceram em 2024 pediam habilidades como adaptação a mudanças (+21%) e comunicação interpessoal (+18%). Além disso, cresce a demanda por conhecimento técnico aliado ao autoconhecimento, ou seja, profissionais capazes de identificar seus pontos fortes, alinhar carreira à sua personalidade e adotar estratégias de desenvolvimento contínuo.

Esse equilíbrio se reflete nas chamadas smart skills, competências comportamentais e emocionais que complementam as técnicas. Entre as mais relevantes estão:

  • Adaptabilidade: lidar bem com mudanças aceleradas.
  • Comunicação eficaz: traduzir ideias complexas de forma clara e colaborativa.
  • Gestão do estresse: manter a saúde mental e a produtividade em ambientes dinâmicos.
  • Capacidade analítica: interpretar dados e tomar decisões com base em evidências.

Aprendizado contínuo é a nova regra

Se antes bastava uma graduação e uma especialização ao longo da carreira, agora a palavra-chave é “lifelong learning”. Com a evolução acelerada da tecnologia, os profissionais precisarão se reciclar constantemente.

Plataformas online oferecem trilhas de aprendizagem em IA, ciência de dados, automação de processos e cibersegurança. No Brasil, Sebrae e Senai já oferecem cursos gratuitos de capacitação em IA e transformação digital. 

Para líderes de RH, isso significa que os programas de desenvolvimento precisam mudar: além de treinamentos técnicos, é fundamental oferecer experiências voltadas a competências humanas, gestão de mudanças e inovação.

Oito profissões emergentes impulsionadas pela IA

1) Engenheiro de personalidade de IA
Cria e ajusta a personalidade de assistentes virtuais e chatbots para interações mais naturais e humanizadas. Esse profissional combina habilidades de design de conversação, psicologia e linguística para tornar os sistemas mais intuitivos e engajadores.

2) Gerente de ética em Inteligência Artificial 

Garante que sistemas de IA sigam princípios éticos, evitando vieses e impactos negativos para a sociedade. Essa função envolve a definição de diretrizes para o desenvolvimento e implementação de IA responsável.

3) Curador de experiência de metaverso 

Especialista na criação e personalização de ambientes imersivos para empresas, educação e entretenimento dentro do metaverso. Esse profissional ajudará a projetar mundos virtuais envolventes e interativos.

4) Auditor de algoritmos  

Revisa e avalia algoritmos para garantir que sejam transparentes, livres de vieses e erros. Profissionais dessa área trabalharão para aprimorar a confiabilidade e a justiça dos sistemas automatizados.

5) Especialista em descontinuação de IA  

Supervisiona a transição segura e ética na desativação de sistemas de IA que não são mais necessários ou apresentam riscos. Esse profissional será essencial para evitar impactos negativos na sociedade e nas operações empresariais.

6) Treinador de Inteligência Artificial 
Ensina modelos de IA a interpretar comandos com maior precisão e contexto. Trabalha diretamente com cientistas de dados e engenheiros de machine learning para melhorar a eficiência dos modelos de IA.

7) Designer de interação Homem-Máquina 

Otimiza a interface entre humanos e máquinas para garantir experiências intuitivas e eficientes. Essa profissão envolve o desenvolvimento de UX/UI para dispositivos de IA e tecnologias assistivas.

8) Consultor de produtividade assistida por IA 

Ajuda empresas a integrar IA para aumentar a eficiência sem comprometer a criatividade e a tomada de decisões humanas. Esse profissional treina equipes para maximizar o uso de IA no dia a dia corporativo. 

O que líderes de RH podem fazer agora 

Para preparar as equipes para esse futuro dinâmico, é recomendado que os líderes de RH comecem mapeando as competências críticas, identificando quais funções podem ser automatizadas e quais exigirão novas habilidades. 

Também é fundamental promover programas de requalificação, com foco em upskilling e reskilling, especialmente nas áreas digitais.  Outro ponto essencial é reforçar a cultura de inovação, incentivando os times a experimentar novas ferramentas e processos, além de apoiar a saúde emocional dos colaboradores por meio de suporte psicológico e programas de bem-estar. Por fim, estabelecer parcerias com instituições de ensino pode ampliar a oferta de treinamentos alinhados às demandas futuras. 

A inteligência artificial deve ser vista como uma parceira estratégica e não como ameaça. Profissionais dispostos a aprender continuamente, desenvolver habilidades socioemocionais e dominar novas tecnologias terão uma vantagem significativa.

O futuro do trabalho pertence a quem consegue evoluir com as mudanças — e a transformação já está acontecendo. A pergunta não é se a sua carreira vai mudar, mas como você vai se preparar para ela. 

Ilustração: Olhar Digital. 

quarta-feira, 27 de agosto de 2025

A Experiência Sensorial na Gastronomia

 


A NOVA MOEDA DA GASTRONOMIA É A EXPERIÊNCIA SENSORIAL

Isaac Paes (*)

Imagine duas pizzarias na mesma rua. Ambas servem uma pizza napolitana excepcional, com massa de longa fermentação, molho de tomate e mussarela frescos. Na primeira, as luzes são brancas e fortes, o som é o eco das conversas misturado ao zumbido de uma geladeira e o cardápio é uma folha de papel plastificada. Você come uma pizza deliciosa, paga a conta e vai embora.

Na segunda, você entra e sente o aroma suave de lenha queimando no forno. A iluminação é baixa e quente, destacando as paredes de tijolo aparente. Uma playlist de jazz suave toca ao fundo. O cardápio está em um tablet com fotos que fazem cada ingrediente saltar aos olhos. Você não apenas come uma pizza, você vive uma experiência completa. Qual das duas pizzarias têm mais chance de ficar na sua memória e se tornar o seu lugar preferido?

Essa pergunta não é mais um mero detalhe. Para se ter uma ideia, no Brasil essa tendência também é bastante forte: 68% afirmam que experiências personalizadas influenciam significativamente as suas decisões de compra, de acordo com o estudo CX Trends 2025, da Octadesk e Opinion Box. O consumidor moderno não busca apenas nutrir o corpo, ele anseia por contexto, por pertencimento e, acima de tudo, por memórias. Em um mercado onde a qualidade dos insumos se tornou mais acessível, a verdadeira diferenciação não está mais apenas no prato, mas no ecossistema de sensações que o envolve.

É isso que chamamos de experiência sensorial: a orquestração deliberada dos cinco sentidos para transformar uma simples refeição em um evento memorável. A visão é o primeiro e mais óbvio ponto de contato. A beleza de um prato bem montado, a harmonia da decoração, a clareza de um cardápio visualmente rico... Tudo isso molda a expectativa antes mesmo da primeira garfada. Quando o cliente vê uma foto vibrante do seu prato, o cérebro já começa a “saboreá-lo”.

Em seguida, vem o olfato, talvez o gatilho mais poderoso da memória. O cheiro de pão fresco saindo do forno, o aroma do café moído na hora ou uma assinatura olfativa única no ambiente criam uma âncora emocional profunda, transportando o cliente para um estado de conforto e apetite.

 A audição dita o ritmo da experiência. Uma música ambiente acelerada e um volume mais alto podem estimular a rotatividade em um restaurante de almoço executivo. Já uma trilha sonora calma e um bom tratamento acústico convidam  à permanência, ao consumo de uma sobremesa, de mais uma taça de vinho. O som da coqueteleira sendo agitada ou da carne selando na chapa pode, inclusive, fazer parte do espetáculo.

Não podemos subestimar o tato. A sensação de segurar um talher pesado, o conforto de uma cadeira estofada, a textura de um guardanapo de linho ou até o toque suave e responsivo na tela de um cardápio digital contribuem para uma percepção de qualidade e cuidado que permeia toda a experiência.

todos esses sentidos estão alinhados, eles potencializam o paladar. Um ambiente agradável pode, de fato, fazer a comida parecer mais saborosa. A experiência sensorial não compete com a comida, ela a eleva.

E qual o impacto disso no negócio? Direto e mensurável. Restaurantes que investem em uma ambientação coesa e, principalmente, em ferramentas que aprimoram a jornada sensorial do cliente, colhem resultados significativos. Não é por acaso que operações que adotam cardápios digitais e sugestões inteligentes relatam aumentos no ticket médio que variam de 10% a 40%, conforme levantamento da Goomer. O estímulo visual incentiva o cliente a experimentar um drink diferente, adicionar um ingrediente extra ou se render à sobremesa. A autonomia se transforma em descoberta.

Longe de ser um elemento frio e impessoal, a tecnologia, quando bem integrada, funciona como uma poderosa amplificadora sensorial. Um cardápio de papel mal impresso e manchado pode quebrar todo o encanto construído pela decoração e pela música. Por outro lado, uma interface digital fluida e visualmente deslumbrante se torna mais uma camada de deleite na experiência do cliente.

A vanguarda do setor já explora o próximo passo: transformar esses pontos de contato digitais em canais de mídia e entretenimento, com conteúdos interativos e gamificados que engajam o cliente de forma ainda mais profunda.

No fim das contas, a comida excelente continua sendo o pilar de qualquer bom restaurante. Mas os pilares, sozinhos, não constroem um templo. Para conquistar o cliente de hoje e garantir a sua lealdade amanhã, é preciso construir uma catedral de sensações. A nova moeda da gastronomia não é apenas o sabor, é a memória que você cria.

(*) Formado em Administração pela Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), foi Gerente da Cervejaria Santa Catarina, maior cervejaria artesanal do estado. Fundou a Abrahão, empresa de soluções digitais para restaurantes. Em 2023, a Abrahão foi adquirida pela Goomer, e Paes assumiu o cargo de CMO (diretor de marketing) depois da fusão.


segunda-feira, 11 de agosto de 2025

Um ataque ao agronegócio diz Eduardo Berbigier

 



O agronegócio brasileiro, mais uma vez, sob ataque

Eduardo Berbigier (*)
 
Recentemente, tive a oportunidade de participar do programa "Faroeste à Brasileira", um importante espaço digital dedicado ao debate dos fatos sociais, econômicos e políticos do nosso país. Naquela ocasião, com a presença de jornalistas e advogados, discutimos pautas cruciais que refletem os sérios dilemas atuais do Brasil. Entre os temas, destacaram-se as tarifas de 50% impostas pelo governo do presidente Donald Trump aos produtos brasileiros, as manifestações dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) na primeira sessão do segundo semestre, e uma relevante entrevista com Eduardo Tagliaferro, ex-assessor do ministro  do STF, Alexandre de Moraes, que está em destaque na mídia. Indiciado pela Pol ícia Federal por vazar informações do gabinete, atualmente reside na Itália e ameaça revelar bastidores de suas atividades na Corte.
No entanto, o foco principal de nossas discussões recaiu sobre a atual situação do agronegócio brasileiro, setor mais direta e severamente prejudicado pelas novas tarifas implementadas pelo governo dos Estados Unidos.
Produtos brasileiros que entram nos Estados Unidos passam a pagar uma  tarifa de 50% a partir da quarta-feira (6). A medida atinge itens de peso no agronegócio, como café, carne bovina e pescados, e deve gerar prejuízos bilionários para o Brasil — além de encarecer produtos no mercado norte-americano.
É crucial notar que, na nova rodada de taxações, apenas as cadeias do suco de laranja e das castanhas foram desoneradas. O restante dos produtos permanece sujeito à tarifa de 50%. Isso significa que, dos US$ 12 bilhões anuais que o agronegócio brasileiro exporta para os Estados Unidos, apenas uma parcela, entre 10% e 18%, será submetida a tarifas menores, enquanto a vasta maioria enfrentará a taxação máxima.
Especialistas preveem que o tarifaço americano ameaça US$ 10 bilhões anuais em exportações brasileiras. Estimam-se perdas de US$ 5,8 bilhões se implementado. Setores como pescados (tilápia, com 90% das exportações aos EUA) enfrentam risco de falência, afetando empregos. Exportadores de carne antecipam perdas de até US$ 1 bilhão. Frutas (manga), café, açúcar e etanol também foram duramente atingidos.
As poucas isenções concedidas, como a do suco de laranja — que evitará uma perda significativa de cerca de R$ 3,6 bilhões (US$ 792 milhões) em exportações anuais, um alívio crucial para o setor citrícola — e dos fertilizantes minerais ou químicos, atenuam o impacto inicial em até 41%, segundo análises de consultorias. Todavia, essa "suavização" é apenas parcial, e a situação geral continua a ser alarmante para a balança comercial brasileira e para a sustentabilidade do agronegócio.
A imposição dessas tarifas é um resultado direto e inequívoco de uma grave falta de negociação por parte do governo brasileiro. O governo Trump decidiu as isenções com base em seus próprios interesses, visando proteger o consumidor e a indústria estadunidense de aumentos de preços, agindo de forma pragmática.
O peso dos EUA para o agro
Os EUA são o terceiro maior parceiro comercial do agro brasileiro, atrás da China e da União Europeia. Produtores estimam uma perda de até US$ 5,8 bilhões caso as vendas para o país diminuam por causa do tarifaço. Diferente de outros países que buscaram o diálogo e souberam defender suas posições, o Brasil, lamentavelmente, não se sentou à mesa para negociar de forma eficaz ou sequer digna, abdicando de seu papel estratégico.
Essa postura representa uma péssima lição de política externa, cujas consequências já se materializam. Não acredito que, a curto prazo, o café e outros produtos atingidos terão suas tarifas reduzidas, pois é evidente que Trump já discutiu com sua equipe econômica e incluiu no pacote o que era de interesse prioritário dos americanos, visando resultados rápidos para sua economia interna.
Não se trata de uma agressão à nossa soberania. A raiz desse problema reside, inegavelmente, na construção deteriorada da relação entre o presidente Lula e Donald Trump. Desde a eleição de Trump, observamos uma série de comentários hostis e desnecessários do presidente Lula e de membros do governo. O presidente Lula nem sequer se dignou a cumprimentar Trump após a eleição. Enviou apenas um mero ofício ao Departamento de Estado, e não diretamente ao presidente eleito. Somados a isso, os acenos contínuos à China e à Rússia e a insistente discussão sobre a moeda do BRICS, configuram pequenas, mas acumuladas, ofensas diplomáticas que claramente irri taram a administração estadunidense.
Sabemos que Donald Trump é um presidente nacionalista, priorizando os interesses de seu país e eleitores. O Brasil construiu uma relação ruim, resultando nas tarifas atuais. Reverter essa situação exige grande esforço e tempo, sem garantia de que Trump reconsiderará as sanções. Apesar da liberação de linhas de crédito subsidiadas e antecipação de créditos acumulados de ICMS por parte de alguns estados, a grande questão é: como transformar essas medidas em alívio real para produtores e exportadores antes que a perda de competitividade se torne irreversível? Os benefícios concedidos de forma isolada, sem integração com regimes como Reintegra e Drawback, podem ser enquadrados pela Receita Federal como subvenções vedadas, gerando aumento efetivo da carga de IRPJ e CSLL.  A urgência do cenário exige uma ação rápida e coordenada em frentes como câmbio, tributação e comércio. Sem isso, o setor pode enfrentar um efeito dominó de cancelamento de contratos, retração da produção e a perda definitiva de seu espaço no mercado norte-americano. O agronegócio está sob ataque: enfrenta um cenário complexo, com desafios comerciais, políticos e ambientais que exigem atenção e adaptação para garantir a sustentabilidade e a competitividade do setor. 
 
(*)  é advogado tributarista, especialista em Agronegócio, membro dos Comitês Juridico e Tributário da Sociedade Rural Brasileira e CEO do Berbigier Sociedade de Advogados.

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

A Dura Realidade do Empreendedorismo no Brasil


EMPREENDEDORISMO NO BRASIL: A INGLÓRIA LUTA PELA SOBREVIVÊNCIA* 

Silvio Persivo

O empreendedorismo no Brasil desempenha um papel fundamental na economia e na transformação social. No entanto, a sua realidade está longe de ser um meio de oportunidades e inovação. Para a grande maioria, empreender é uma necessidade imposta pelas circunstâncias, uma luta diária para sobreviver em um ambiente de negócios cada vez mais hostil. Apesar de existirem mais de 23 milhões de empresas ativas no primeiro quadrimestre de 2025, a maioria delas enfrenta um ambiente instável e cheio de obstáculos. A burocracia excessiva, a escassez de apoio financeiro e um mercado desafiador tornam a sobrevivência uma luta constante. Neste cenário, formalizar um negócio já é um desafio por si só, com custos de abertura elevados que afugentam muitos empreendedores em potencial. Como afirma o presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de Rondônia, Raniery Coelho, "O empresário é um otimista que abre suas portas todos os dias na esperança que os clientes venham", mas está sendo preciso, no momento, muito mais do que ser otimista nas atuais condições. O empresário tem que se virar de todas as formas com o aumento dos custos, dos impostos, das obrigações que mudam quase diariamente. 

Além disto, a insegurança jurídica se aprofundou, gerando incertezas sobre as regras do jogo e deixando os empreendedores vulneráveis a mudanças abruptas na legislação. O que deveria ser um ambiente de previsibilidade para o crescimento, tornou-se um campo minado de incertezas.

Em meio a este cenário, a reforma tributária surge como mais um desafio. Com a promessa de simplificação, ela exige o uso de tecnologias e eleva a carga tributária, impactando diretamente o caixa de pequenos e médios negócios. A exigência de novas ferramentas tecnológicas, muitas vezes, é um luxo que o empreendedor comum não pode se dar, e o aumento dos impostos funciona como um sócio que só exige e nada oferece.

Enquanto nas redes sociais especialistas e influenciadores discutem tecnologias de ponta, automação e inteligência artificial, a realidade do cidadão comum é bem diferente. Para a grande maioria, esses recursos são inacessíveis, e o que realmente importa é conseguir manter as portas abertas, mesmo que isso signifique trabalhar em condições precárias. O que parece é que, apesar do empreendedorismo ser a força vital que sustenta a economia, gerando empregos e promovendo mudanças sociais, o governo federal ignora as necessidades e problemas da iniciativa privada. O Estado, muitas vezes, é visto como um sócio parasita, um obstáculo, e não como um parceiro que deveria impulsionar o crescimento.

Assim, o empreendedorismo no Brasil não surge como uma escolha por um sonho, mas como uma estratégia de sobrevivência. E só os mais resilientes, obstinados e criativos conseguem resistir às adversidades, embora muitos acabem desistindo pelo caminho forçados por golpes inesperados como novas tarifas ou aumento de insumos. No fim das contas, empreender no Brasil é uma luta por uma tábua de salvação, para aqueles que não têm outra alternativa a não ser lutar para sobreviver.

Ilustração: A Verdade. 

domingo, 3 de agosto de 2025

Impactos da Reforma Tributária

 


É hora de entender os verdadeiros impactos da reforma tributária

Por Lucas Ribeiro, tributarista, fundador e CEO da ROIT, empresa de inteligência artificial para a gestão contábil, fiscal e financeira de organizações

A reforma tributária não é mais projeto. Não é mais futuro. É realidade, é presente. É bem verdade que ela começa a valer em 1º de janeiro de 2026, e por sete anos será implantada gradativamente, concomitantemente ao modelo atual. Essa transição será concluída em 31 de dezembro de 2032. A partir do dia seguinte, 1º de janeiro de 2033, será totalmente renovada.

Está mais do que na hora, pois, de entendermos os verdadeiros impactos dela. Aqueles impactos para além da discussão vão aumentar ou reduzir, e em quanto, a carga de tributos. Esse é o menor dos nossos problemas.

É preciso entender que a reforma tributária não é apenas um conceito, uma exigência imposta pela Emenda Constitucional que a criou (EC 132/2023). Não é apenas tema para advogado tributarista. Ela é transversal, com impactos e desdobramentos em todas as áreas de uma empresa. Ela é real, não é um mero texto.

Entre diferentes impactos, cabe o alerta em relação ao aumento da necessidade de capital de giro. E por que isso é importante? Porque o Fisco quer e vai receber os tributos tão logo uma operação – transações, compras, vendas – seja realizada. O pagamento parcelado, sistema em desenvolvimento, vai garantir esse pagamento direto, automatizado. As empresas não poderão mais usar o dinheiro do tributo na sua caixa, além de terem que pagar antes para terem o crédito, que hoje é pela nota fiscal.

Outro efeito: a automação de fluxos e processos será indispensável. Não é mais questão de automatizar ou não. As empresas deverão começar já a se preparar para o início da operação da reforma, em janeiro de 2026, revisando e renegociando contratos, revisando precificação, implementando a automação adequadamente dita.

Importante também: a reforma tributária não é assunto apenas do fiscal ou da contabilidade. Definitivamente, a gestão será integrada. Será necessário envolver as áreas tributárias, de compras, o comercial, o financeiro, o jurídico e – nos lembremos sempre – o de tecnologia, nesse processo de conhecer as mudanças, se preparar e se adaptar.

Muitas empresas do Simples Nacional serão direta e duramente impactadas. A reforma tributária fará com que muitas empresas desse regime precisem optar pelo Regime Regular de IBS e CBS, para aproveitarem os créditos nas suas aquisições e não se tornarem acumuladas de resíduos tributários da cadeia, uma vez que só vão repassar como crédito aos seus adquirentes os valores transferidos devidos e recolhidos. Em compensação, é provável a mitigação extrema de litígios após 2033. Hoje, acumularam-se no Judiciário embates entre empresas e Fisco sobre débitos e créditos. Com a relativa simplificação e a automação promovida pela reforma, essa matéria será menos passível de dúvidas. Podem e deverão surgir outras discussões, mas menos expressivas como as que estamos habituados. A tendência é maior eficiência e clara na apuração tributária.

Por fim, quero reiterar que estamos em contagem regressiva. Não há mais o que esperar ou tempo a perder. Se você ainda não começou, deve começar logo a se preparar para a reforma tributária. A preparação envolve informação e formação, nas diferentes áreas que citei – contabilística, fiscal, financeira, jurídica, tecnológica – nesse processo. Metade do ano já foi, a outra voa. O período de transição, embora pareça longo – 2033 soa como um tempo distante – voa também.

Fonte: Engenharia da Comunicação.

terça-feira, 29 de julho de 2025

Indústria Precisa ter Competitividade

 

A revolução industrial começa com resultados

Por Walter Maia*


A transformação digital não é mais uma opção; é uma necessidade. No Brasil, 64,6% das empresas industriais já investem em inovação, totalizando mais de R$ 38,3 bilhões em pesquisa e desenvolvimento. Esse movimento é impulsionado por políticas como a Nova Industria Brasil, que mobilizou R$ 3,4 trilhões em investimentos até 2025.

Neste artigo, compartilho uma visão estratégica sobre como as empresas líderes estão utilizando a “inovação que entrega” para gerar impacto mensurável. 

Inovar não é apenas implementar novas tecnologias ou ideias. Inovar é transformar recursos em valor real, tangível e mensurável para os negócios. No Brasil, setores estratégicos já registram taxas de inovação superiores a 85%, evidenciando que a competitividade está diretamente ligada à capacidade de conectar tecnologia e estratégia.

Empresas com maior maturidade digital colhem os frutos desse alinhamento. Estudos mostram que organizações que priorizam projetos digitais escaláveis, com foco em ROI, registram crescimento do EBITDA até três vezes superior em relação àquelas que permanecem em estágios iniciais.

A expressão “inovação que entrega” traduz esse conceito: projetos que combinam tecnologia, dados e processos para gerar eficiência, reduzir custos e, ao mesmo tempo, ampliar a competitividade.


Tendências que impulsionam a indústria 4.0

A transformação digital industrial é impulsionada por quatro grandes forças: inteligência artificial (IA), internet das coisas (IoT), gêmeos digitais e automação avançada. Essas tecnologias, antes restritas a experimentos, tornaram-se o núcleo das estratégias de eficiência, segurança e sustentabilidade.

No Brasil, a adoção da IA dobrou de 12% em 2024 para 25% em 2025, com ganhos expressivos em produtividade e resultados financeiros. Gêmeos digitais, por sua vez, permitem simulações precisas de processos, reduzindo riscos operacionais e custos de manutenção. Já a combinação de automação com IoT está conectando linhas de produção a sistemas em tempo real, ampliando a visibilidade e a tomada de decisão baseada em dados.

O país ocupa hoje a 44ª posição no ranking global de prontidão digital, mas projeta que 50% das empresas industriais estarão digitalizadas até 2033, indicando uma corrida por integração tecnológica em larga escala.


Casos que mostram resultados concretos

A inovação só é reconhecida quando entrega resultados tangíveis. A Vale, por exemplo, estruturou um robusto ecossistema de inovação aberta com o MiningHub, conectando mineradoras, startups e fornecedores globais. Com big data, automação e IA, a empresa reduziu riscos operacionais e aumentou a produtividade, investindo em frotas autônomas e sistemas preditivos para operações mais seguras.

Outro exemplo é a ArcelorMittal, que implementou inteligência artificial na unidade de Resende (RJ) para inspeção de bobinas de aço. O sistema Standard Coil alcançou 89% de assertividade e reduziu retrabalhos em 30%.

No setor logístico, a Portocel tornou-se pioneira ao operar caminhões 100% autônomos, em parceria com a Lume Robotics e VIX Logística. O investimento em automação portuária, incluindo o primeiro spreader automático de alta capacidade para celulose, já desperta interesse internacional.

Esses exemplos reforçam que a verdadeira inovação envolve visão estratégica, foco em ROI e impacto direto na competitividade.

Apesar dos avanços, a transformação digital ainda enfrenta obstáculos significativos. Estudos mostram que 70% das iniciativas digitais falham por fatores culturais, como resistência interna e falta de engajamento das lideranças.

Outro desafio é a escassez de profissionais qualificados. O déficit já se aproxima de 800 mil especialistas em tecnologia no Brasil, enquanto a capacidade de formação anual está muito abaixo dessa demanda. Além disso, o alto custo inicial e a desigualdade na infraestrutura digital, especialmente em áreas industriais remotas, ainda dificultam a escalabilidade dos projetos.

Superar esses desafios exige visão de longo prazo, parcerias estratégicas com startups e centros de pesquisa, e a adoção de ecossistemas colaborativos que acelerem a inovação e reduzam riscos.


Caminhos para a indústria avançar

Para que a transformação digital seja realmente sustentável, é fundamental que a alta liderança assuma um papel ativo na definição da estratégia e na promoção de uma cultura de inovação. Projetos de alto impacto começam com objetivos claros, KPIs bem definidos e foco em mensurar produtividade, eficiência e retorno sobre investimento.

A indústria precisa, mais do que nunca, unir forças entre empresas, startups e centros de pesquisa para criar ecossistemas que favoreçam experimentação e escalabilidade. A integração entre inovação tecnológica, práticas de ESG e eficiência operacional será o fator que definirá as empresas protagonistas da Indústria 4.0.

 “Inovação que entrega” é, portanto, pensar estrategicamente, executar com precisão e gerar impacto sustentável.


*Walter Maia é diretor de Inovação, Digital e Investimentos Estratégicos na Timenow. Lidera iniciativas de expansão inorgânica e transformação digital, conectando tecnologia a resultados de negócios em mercados regionais e globais.