segunda-feira, 29 de maio de 2017

Um artigo sobre a construção da humanidade



A humanidade é um ato de aprendizagem e esclarecimento

Por Samuel Sabino (*)

Ser um humano não garante a humanidade. Pode parecer uma afirmação ilógica a primeira vista, porém o que se tem por humanidade não é sinônimo de ser um humano, como pode se considerar em um primeiro momento. O humano é a condição base da espécie, que é dotada de liberdade de escolha e capaz do raciocínio lógico, mas não exclui o instinto e, nem mesmo, a posturas consideradas “inumanas”.
Hoje em dia se acostumou a falar que é desumano cometer atos que são prejudiciais ao próximo, como guerras, que prejudicam populações inteiras, ou mesmo atos de corrupção, que prejudicam grupos dentro de uma empresa ou governo. O caso é que o humano é capaz dessas coisas, e o que o impede, ou faz refletir sobre não fazê-lo, é sua humanidade, que não é uma condição inata. A humanidade é uma construção da evolução, fruto da consciente capacidade de escolher e raciocinar, porém apenas quando guiada pelo aprendizado e pelo esclarecimento.
A natureza escolheu os instintos para guiar a vida dos animais. Isso os acorrenta a sempre escolher os meios e os fins que atendam a um único propósito, a perpetração de sua espécie. Já os humanos também têm instintos, porém raciocinar e escolher está em nós, o que faz com que, por essa liberdade, nem sempre escolhamos os caminhos que perpetuaram nossa sociedade.
Na verdade, o que o humano geralmente escolhe é a preservação de si mesmo. Esse é o caminho da ética egoísta, que considera apenas o ganho presente, individual, e cujo nível de esclarecimento é baixo. Digo nível de esclarecimento no sentido ético, no sentido de continuação da espécie, da construção evolutiva que pode levar o ser humano além como raça.
Nascemos humanos e buscamos a humanidade através desse esclarecimento. Nascemos egocêntricos, viciosos, em estado de menoridade. Para sair disso é preciso escolher conscientemente a humanidade. O altruísmo, a virtude e a maioridade só vem com o aprendizado. Este por fim gera o esclarecimento.
Mas, porque buscar isso? Se somos naturalmente viciosos, por que buscar o esclarecimento? Por que se preocupar com o próximo? Basicamente por dois motivos; primeiro: por sermos detentores de dignidade, algo que é tão natural quanto ser um ser humano e; segundo: por sermos reclamantes dessa dignidade.
Isso quer dizer que quando a dignidade nos é tirada nós lutamos para reconquistá-la, para voltar ao estado de bem estar e felicidade. Por sermos sensíveis a perceber que somos dignos, se torna necessário que se alcance um estado onde a dignidade seja garantida, encontrando então esse estado de humanidade.
Mas, como se dá a passagem do mero humano para o humanizado? Justamente pelo esclarecimento advindo do aprendizado. Para aprender é preciso escolher, mas, sobretudo, com responsabilidade. Exatamente com esses atos que partem da ética nobre, que pensa no maior número de pessoas, o esclarecimento surge então conforme vamos nos sensibilizando com o outro, exemplo da empatia ou íntima compaixão.
No entanto, é possível alcançarmos outro caminho quando não pela empatia; pelo uso do raciocínio. Por ele se constrói princípios éticos e passíveis do uso da liberdade e escolha, como escolher, por exemplo, a ética nobre. Porém tudo começa com uma atitude de escolha consciente em abraçar essa habilidade humana de construir a humanidade. Sem usar isso estamos condenados, pois até os animais são compelidos a se preservar como espécie. Nós, sem escolher pela dignidade, estamos fadados a extinção e a um mal que destrói até o último de nós.

(*) é fundador da Éticas Consultoria, Filósofo, Mestre em Bioética, e professor universitário.

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