Reforma tributária decretará fim da Zona Franca de Manaus
Eduardo Bonates
(*)
A
reforma tributária que está em discussão no Congresso Nacional terá como
consequência o fim da Zona Franca de Manaus (ZFM). Sem nem mesmo um artigo ou
cláusula que trate do polo amazonense, a proposta que tramita em Brasília para
unificar impostos e contribuições, na verdade, inviabilizará o modelo que levou
desenvolvimento industrial à região. Ao vetar qualquer tipo de benefício
tributário, a mudança atinge diretamente o que dá competitividade à ZFM em
relação a outros estados.
Há
uma parte da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que altera o Sistema
Tributário Nacional que mira a ZFM, ainda que sem citá-la. Na definição do
Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que unifica outros tributos e
contribuições, existe um veto à essência do polo amazonense. “Não será objeto
de concessão de isenções, incentivos ou benefícios tributários ou financeiros,
inclusive de redução de base de cálculo ou de crédito presumido ou outorgado,
ou sob qualquer outra forma que resulte, direta ou indiretamente, em carga
tributária menor que a decorrente da aplicação das alíquotas nominais”,
conforme a proposta.
O
secretário extraordinário do Ministério da Fazenda para a Reforma Tributária, o
economista Bernard Appy, que é um dos mentores da reforma, nunca demonstrou
apreço pela isenção e crédito fiscal que atraiu muitas empresas à zona franca.
Essa visão está mantida no texto da PEC que altera o Sistema Tributário
Nacional, de autoria do presidente do MDB, deputado federal Baleia Rossi - que,
assim como Appy, é do estado de São Paulo.
A
reclamação para derrubar as vantagens competitivas da ZFM é antiga e vem de
empresas de fora de Manaus, a maioria do Sudeste do Brasil. A questão já foi
alvo de ações no Supremo Tribunal Federal (STF), sem sucesso. Começou então uma
mobilização para conseguir a mudança via reforma, por meio de uma PEC.
Mesmo
assim, é provável que essa luta contra a zona franca volte aos tribunais. O
STF, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e o Tribunal Regional Federal da 1ª
Região (TRF1) decidiram diversas vezes em favor do polo amazonense, o que deu
segurança e aumentou a competitividade local. Cenário que, ao que parece, está
em processo de mudança.
No
último dia 8, o STF reviu decisões dadas como sacramentadas e enterrou três
princípios constitucionais: da segurança jurídica, do trânsito em julgado e da
retroatividade em questões relativas a benefícios tributários. Em julgamento
sobre a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), o órgão considerou que,
quando há uma questão tributária de relevância para a União, o interesse da
arrecadação está acima do interesse privado, inclusive para cobrança de
impostos que deixaram de ser pagos nos últimos anos. Na prática, é o fim do
direito tributário.
Nessa
mesma noite, o STJ seguiu o STF e reverteu decisão que isentava a cobrança do
Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de produtos estrangeiros
revendidos. São dois tributos em que o entendimento jurídico era a favor do
contribuinte que se tornaram imediatamente a favor da União. O próximo passo é
o fim da ZFM.
Para
completar, o governo federal havia publicado em janeiro a Medida Provisória
(MP) 1160/2023, que restabelece o voto de qualidade no Conselho Administrativo
de Recursos Fiscais (Carf). Isso significa que em caso de empate nos votos dos
conselheiros em análises pelo órgão, o representante da União dará o voto de
Minerva. O Congresso havia incluído em 2020 um dispositivo que previa o
desempate em favor do contribuinte, em uma MP que foi sancionada pelo
ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Somente
no ano passado, as decisões com igualdade de votos no Carf representaram R$ 25 bilhões em decisões a
favor do contribuinte. A estimativa neste ano é que o montante aumente para R$ 50 bilhões que, desta
vez, serão a favor das União.
Todas
essas questões mostram a face não tão clara da reforma tributária, que é
arrecadar mais. O objetivo de reduzir o tempo gasto e simplificar o pagamento
de impostos ao unificar quatro em apenas um terá o seu custo. A previsão é que
a alíquota do IBS seja maior do que a dos quatro anteriores somados.
É
nessa onda de aumento da arrecadação federal que entra o fim dos benefícios
fiscais à ZFM. É preciso que a sociedade civil se movimente e cobre os
políticos da região para que atuem na defesa do polo que trouxe desenvolvimento
e empregos na indústria, comércio e serviços ao Norte do Brasil.
(*)
é advogado especialista em Contencioso Tributário e Zona Franca de Manaus e
sócio do escritório Almeida, Barretto e Bonates Advogados.
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