O
impacto da IA no comportamento e relações até 2035
Kátia
Assad (*)
No
meio do frenesi tecnológico que marca o início do século XXI, a Inteligência
Artificial deixou de ser uma ficção científica para se tornar uma presença
concreta e inevitável na vida cotidiana. Até 2035, segundo o estudo Being
Human in 2035, conduzido por Janna Anderson e Lee Rainie, não se espera apenas
uma evolução tecnológica, mas uma transformação radical e irreversível no
comportamento humano e nas estruturas sociais. O que está em jogo vai muito
além de eficiência e inovação: é a própria essência do que significa ser
humano.
A
maioria dos cientistas consultados no estudo afirma, de forma quase unânime,
que as mudanças provocadas pela IA serão profundas e significativas. Esse
consenso não vem do nada. Estamos falando de um cenário em que sistemas
artificiais não apenas operam com lógica, mas começam a simular emoções,
dialogar com fluidez e até demonstrar lampejos de criatividade. O filósofo
Luciano Floridi, da Universidade de Oxford, é uma das vozes que alertam: essa
crescente interação com inteligências artificiais tem o potencial de redefinir
nossa percepção de identidade, uma redefinição que pode diluir a fronteira
entre o humano e o sintético.
O
impacto dessa proximidade tecnológica sobre o "eu" é mais do que
simbólico. À medida que máquinas se tornam cada vez mais parecidas conosco em
expressão e resposta, a experiência de ser humano, com toda sua complexidade,
contradições e imperfeições, corre o risco de ser comparada, e até substituída,
por uma versão artificialmente otimizada. Isso levanta uma questão incômoda: se
uma IA pode rir, chorar e criar, o que ainda nos diferencia? No entanto, talvez
a ameaça mais insidiosa não esteja na IA em si, mas no que ela pode nos fazer
perder. Há um risco concreto de erosão das capacidades cognitivas humanas. A
dependência crescente de respostas automatizadas e resumos instantâneos, apesar
de conveniente, pode reduzir drasticamente nossa habilidade de análise profunda
e pensamento crítico. O perigo está na comodidade: quanto mais confiamos na
máquina, menos exercitamos nossa própria mente.
Essa
deterioração não se limita à esfera racional. Também se projeta sobre a nossa
inteligência emocional e social. As interações humanas repletas de
ambiguidades, mal-entendidos e aprendizados, estão sendo trocadas por conexões
com agentes artificiais sempre disponíveis, adaptáveis e emocionalmente
previsíveis. É tentador, sim. Mas, ao evitar o desconforto das relações reais,
podemos estar abrindo mão da complexa arte de conviver. Mais grave ainda é a
ameaça à agência humana. Ao delegarmos decisões para algoritmos em áreas como
saúde, justiça e finanças, corremos o risco de substituir o julgamento humano
por modelos preditivos baseados em dados. A promessa de precisão pode vir
acompanhada de uma perda silenciosa: a da autonomia. A capacidade de decidir, de
errar, de escolher com base em valores e não apenas em estatísticas,tudo isso
pode ser enfraquecido.
A
IA tem, sim, potencial para expandir as capacidades humanas. Com
regulamentações éticas adequadas, pode personalizar tratamentos, promover
inclusão e impulsionar colaborações que antes pareciam impossíveis. Mas isso só
será possível se mantivermos, no centro do debate, uma questão essencial: o que
não podemos perder? A reflexão sobre a singularidade humana na era da IA
precisa ser constante, crítica e profunda. Não como um lamento nostálgico por
um passado analógico, mas como uma bússola para o futuro. Em 2035, talvez
estejamos cercados de máquinas que pensam, sentem e interagem. Cabe a nós
garantir que, no meio de tudo isso, ainda saibamos o que significa ser
verdadeiramente humanos.
(*) é
fundadora da Consultoria de Saúde Mental Psico.delas, psicóloga clínica, coach
e educadora.
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