Economia criativa é resistência onde falta
política pública
Por Wagner César (*)
Em
um país onde as políticas públicas frequentemente falham em transformar
realidades, a criatividade tem desempenhado um papel que o Estado muitas vezes
não consegue. Ela gera renda, preserva culturas e transforma comunidades. Esse
movimento tem nome: a economia criativa. Crescendo silenciosamente, à margem
das grandes decisões econômicas, ela é responsável por milhões de empregos e
por iniciativas que realmente mudam vidas.
Em
2023, a economia criativa no Brasil empregava cerca de 7,8 milhões de pessoas,
com um crescimento de 4% em relação ao ano anterior, segundo a Fundação Itaú e
o Observatório Itaú Cultural, com base na PNAD Contínua do IBGE. No Espírito
Santo, no segundo trimestre de 2024, aproximadamente 220 mil pessoas estavam no
setor, representando 10,5% da força de trabalho do estado, com aumento em
relação ao trimestre anterior e ao mesmo período de 2023. O rendimento médio
dos trabalhadores criativos no estado foi de R$ 3.465,36, colocando-o em quinto
lugar no ranking nacional de remuneração.
Esses
dados são um reflexo claro do dinamismo da economia criativa, que, mesmo na
ausência de um apoio institucional constante, tem demonstrado um crescimento
notável, profissionalização e a geração de empregos de qualidade. Onde o
mercado tradicional não chega, a criatividade se estabelece, preenchendo
lacunas em regiões com escassez de oportunidades, estrutura e investimento, e,
dessa forma, sustenta comunidades inteiras por meio do talento e da inovação.
Um
exemplo marcante vem da aldeia indígena localizada em Ubatuba, no litoral norte
de São Paulo. Lá, os moradores encontraram na economia criativa uma alternativa
real de geração de renda e de valorização cultural. Por meio de visitas
guiadas, os turistas conhecem trilhas, cachoeiras, casas de reza e locais
sagrados da comunidade. Também podem adquirir artesanatos feitos pelos próprios
moradores. A renda que entra não só garante o sustento das famílias, como é
reinvestida na aldeia, fortalecendo tradições e melhorando a qualidade de vida
de todos.
A
experiência da aldeia de Ubatuba não é isolada. Em todo o Brasil, existem
iniciativas semelhantes. Comunidades periféricas, quilombolas, artistas de rua,
pequenos produtores culturais. Todos esses agentes têm utilizado a criatividade
como instrumento de resistência, empreendedorismo e transformação social. São
pessoas que, mesmo esquecidas pelo poder público, seguem gerando impacto,
criando soluções e movimentando a economia a partir da cultura. Outro ponto
importante é o papel do turismo cultural nesse processo. Quando bem articulado,
o turismo impulsionado pela criatividade pode atrair visitantes, movimentar
restaurantes, pousadas, lojas e serviços locais. Isso gera um ciclo virtuoso. A
renda circula, novos empregos surgem e os territórios se desenvolvem de forma
mais sustentável.
Para
que esse potencial seja plenamente aproveitado, é fundamental que o poder
público reconheça a economia criativa como uma prioridade estratégica. É
urgente investir em formação, incentivar o empreendedorismo cultural, apoiar a
formalização e criar políticas públicas que valorizem os saberes locais. A
criatividade não se limita à expressão artística ou ao entretenimento; ela é
uma fonte concreta de desenvolvimento econômico e inclusão social. O Brasil
possui um patrimônio cultural vasto e um povo incrivelmente criativo. Ignorar
esse potencial é desperdiçar uma das maiores riquezas do país. A história da
aldeia de Ubatuba é um exemplo claro de como é possível construir soluções
reais a partir da cultura. O que falta agora é que o país compreenda de uma vez
por todas que a criatividade não é um luxo, mas uma necessidade.
(*)
é escritor, mercadólogo e ativista social.
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