segunda-feira, 11 de agosto de 2025

Um ataque ao agronegócio diz Eduardo Berbigier

 



O agronegócio brasileiro, mais uma vez, sob ataque

Eduardo Berbigier (*)
 
Recentemente, tive a oportunidade de participar do programa "Faroeste à Brasileira", um importante espaço digital dedicado ao debate dos fatos sociais, econômicos e políticos do nosso país. Naquela ocasião, com a presença de jornalistas e advogados, discutimos pautas cruciais que refletem os sérios dilemas atuais do Brasil. Entre os temas, destacaram-se as tarifas de 50% impostas pelo governo do presidente Donald Trump aos produtos brasileiros, as manifestações dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) na primeira sessão do segundo semestre, e uma relevante entrevista com Eduardo Tagliaferro, ex-assessor do ministro  do STF, Alexandre de Moraes, que está em destaque na mídia. Indiciado pela Pol ícia Federal por vazar informações do gabinete, atualmente reside na Itália e ameaça revelar bastidores de suas atividades na Corte.
No entanto, o foco principal de nossas discussões recaiu sobre a atual situação do agronegócio brasileiro, setor mais direta e severamente prejudicado pelas novas tarifas implementadas pelo governo dos Estados Unidos.
Produtos brasileiros que entram nos Estados Unidos passam a pagar uma  tarifa de 50% a partir da quarta-feira (6). A medida atinge itens de peso no agronegócio, como café, carne bovina e pescados, e deve gerar prejuízos bilionários para o Brasil — além de encarecer produtos no mercado norte-americano.
É crucial notar que, na nova rodada de taxações, apenas as cadeias do suco de laranja e das castanhas foram desoneradas. O restante dos produtos permanece sujeito à tarifa de 50%. Isso significa que, dos US$ 12 bilhões anuais que o agronegócio brasileiro exporta para os Estados Unidos, apenas uma parcela, entre 10% e 18%, será submetida a tarifas menores, enquanto a vasta maioria enfrentará a taxação máxima.
Especialistas preveem que o tarifaço americano ameaça US$ 10 bilhões anuais em exportações brasileiras. Estimam-se perdas de US$ 5,8 bilhões se implementado. Setores como pescados (tilápia, com 90% das exportações aos EUA) enfrentam risco de falência, afetando empregos. Exportadores de carne antecipam perdas de até US$ 1 bilhão. Frutas (manga), café, açúcar e etanol também foram duramente atingidos.
As poucas isenções concedidas, como a do suco de laranja — que evitará uma perda significativa de cerca de R$ 3,6 bilhões (US$ 792 milhões) em exportações anuais, um alívio crucial para o setor citrícola — e dos fertilizantes minerais ou químicos, atenuam o impacto inicial em até 41%, segundo análises de consultorias. Todavia, essa "suavização" é apenas parcial, e a situação geral continua a ser alarmante para a balança comercial brasileira e para a sustentabilidade do agronegócio.
A imposição dessas tarifas é um resultado direto e inequívoco de uma grave falta de negociação por parte do governo brasileiro. O governo Trump decidiu as isenções com base em seus próprios interesses, visando proteger o consumidor e a indústria estadunidense de aumentos de preços, agindo de forma pragmática.
O peso dos EUA para o agro
Os EUA são o terceiro maior parceiro comercial do agro brasileiro, atrás da China e da União Europeia. Produtores estimam uma perda de até US$ 5,8 bilhões caso as vendas para o país diminuam por causa do tarifaço. Diferente de outros países que buscaram o diálogo e souberam defender suas posições, o Brasil, lamentavelmente, não se sentou à mesa para negociar de forma eficaz ou sequer digna, abdicando de seu papel estratégico.
Essa postura representa uma péssima lição de política externa, cujas consequências já se materializam. Não acredito que, a curto prazo, o café e outros produtos atingidos terão suas tarifas reduzidas, pois é evidente que Trump já discutiu com sua equipe econômica e incluiu no pacote o que era de interesse prioritário dos americanos, visando resultados rápidos para sua economia interna.
Não se trata de uma agressão à nossa soberania. A raiz desse problema reside, inegavelmente, na construção deteriorada da relação entre o presidente Lula e Donald Trump. Desde a eleição de Trump, observamos uma série de comentários hostis e desnecessários do presidente Lula e de membros do governo. O presidente Lula nem sequer se dignou a cumprimentar Trump após a eleição. Enviou apenas um mero ofício ao Departamento de Estado, e não diretamente ao presidente eleito. Somados a isso, os acenos contínuos à China e à Rússia e a insistente discussão sobre a moeda do BRICS, configuram pequenas, mas acumuladas, ofensas diplomáticas que claramente irri taram a administração estadunidense.
Sabemos que Donald Trump é um presidente nacionalista, priorizando os interesses de seu país e eleitores. O Brasil construiu uma relação ruim, resultando nas tarifas atuais. Reverter essa situação exige grande esforço e tempo, sem garantia de que Trump reconsiderará as sanções. Apesar da liberação de linhas de crédito subsidiadas e antecipação de créditos acumulados de ICMS por parte de alguns estados, a grande questão é: como transformar essas medidas em alívio real para produtores e exportadores antes que a perda de competitividade se torne irreversível? Os benefícios concedidos de forma isolada, sem integração com regimes como Reintegra e Drawback, podem ser enquadrados pela Receita Federal como subvenções vedadas, gerando aumento efetivo da carga de IRPJ e CSLL.  A urgência do cenário exige uma ação rápida e coordenada em frentes como câmbio, tributação e comércio. Sem isso, o setor pode enfrentar um efeito dominó de cancelamento de contratos, retração da produção e a perda definitiva de seu espaço no mercado norte-americano. O agronegócio está sob ataque: enfrenta um cenário complexo, com desafios comerciais, políticos e ambientais que exigem atenção e adaptação para garantir a sustentabilidade e a competitividade do setor. 
 
(*)  é advogado tributarista, especialista em Agronegócio, membro dos Comitês Juridico e Tributário da Sociedade Rural Brasileira e CEO do Berbigier Sociedade de Advogados.

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

A Dura Realidade do Empreendedorismo no Brasil


EMPREENDEDORISMO NO BRASIL: A INGLÓRIA LUTA PELA SOBREVIVÊNCIA* 

Silvio Persivo

O empreendedorismo no Brasil desempenha um papel fundamental na economia e na transformação social. No entanto, a sua realidade está longe de ser um meio de oportunidades e inovação. Para a grande maioria, empreender é uma necessidade imposta pelas circunstâncias, uma luta diária para sobreviver em um ambiente de negócios cada vez mais hostil. Apesar de existirem mais de 23 milhões de empresas ativas no primeiro quadrimestre de 2025, a maioria delas enfrenta um ambiente instável e cheio de obstáculos. A burocracia excessiva, a escassez de apoio financeiro e um mercado desafiador tornam a sobrevivência uma luta constante. Neste cenário, formalizar um negócio já é um desafio por si só, com custos de abertura elevados que afugentam muitos empreendedores em potencial. Como afirma o presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de Rondônia, Raniery Coelho, "O empresário é um otimista que abre suas portas todos os dias na esperança que os clientes venham", mas está sendo preciso, no momento, muito mais do que ser otimista nas atuais condições. O empresário tem que se virar de todas as formas com o aumento dos custos, dos impostos, das obrigações que mudam quase diariamente. 

Além disto, a insegurança jurídica se aprofundou, gerando incertezas sobre as regras do jogo e deixando os empreendedores vulneráveis a mudanças abruptas na legislação. O que deveria ser um ambiente de previsibilidade para o crescimento, tornou-se um campo minado de incertezas.

Em meio a este cenário, a reforma tributária surge como mais um desafio. Com a promessa de simplificação, ela exige o uso de tecnologias e eleva a carga tributária, impactando diretamente o caixa de pequenos e médios negócios. A exigência de novas ferramentas tecnológicas, muitas vezes, é um luxo que o empreendedor comum não pode se dar, e o aumento dos impostos funciona como um sócio que só exige e nada oferece.

Enquanto nas redes sociais especialistas e influenciadores discutem tecnologias de ponta, automação e inteligência artificial, a realidade do cidadão comum é bem diferente. Para a grande maioria, esses recursos são inacessíveis, e o que realmente importa é conseguir manter as portas abertas, mesmo que isso signifique trabalhar em condições precárias. O que parece é que, apesar do empreendedorismo ser a força vital que sustenta a economia, gerando empregos e promovendo mudanças sociais, o governo federal ignora as necessidades e problemas da iniciativa privada. O Estado, muitas vezes, é visto como um sócio parasita, um obstáculo, e não como um parceiro que deveria impulsionar o crescimento.

Assim, o empreendedorismo no Brasil não surge como uma escolha por um sonho, mas como uma estratégia de sobrevivência. E só os mais resilientes, obstinados e criativos conseguem resistir às adversidades, embora muitos acabem desistindo pelo caminho forçados por golpes inesperados como novas tarifas ou aumento de insumos. No fim das contas, empreender no Brasil é uma luta por uma tábua de salvação, para aqueles que não têm outra alternativa a não ser lutar para sobreviver.

Ilustração: A Verdade. 

domingo, 3 de agosto de 2025

Impactos da Reforma Tributária

 


É hora de entender os verdadeiros impactos da reforma tributária

Por Lucas Ribeiro, tributarista, fundador e CEO da ROIT, empresa de inteligência artificial para a gestão contábil, fiscal e financeira de organizações

A reforma tributária não é mais projeto. Não é mais futuro. É realidade, é presente. É bem verdade que ela começa a valer em 1º de janeiro de 2026, e por sete anos será implantada gradativamente, concomitantemente ao modelo atual. Essa transição será concluída em 31 de dezembro de 2032. A partir do dia seguinte, 1º de janeiro de 2033, será totalmente renovada.

Está mais do que na hora, pois, de entendermos os verdadeiros impactos dela. Aqueles impactos para além da discussão vão aumentar ou reduzir, e em quanto, a carga de tributos. Esse é o menor dos nossos problemas.

É preciso entender que a reforma tributária não é apenas um conceito, uma exigência imposta pela Emenda Constitucional que a criou (EC 132/2023). Não é apenas tema para advogado tributarista. Ela é transversal, com impactos e desdobramentos em todas as áreas de uma empresa. Ela é real, não é um mero texto.

Entre diferentes impactos, cabe o alerta em relação ao aumento da necessidade de capital de giro. E por que isso é importante? Porque o Fisco quer e vai receber os tributos tão logo uma operação – transações, compras, vendas – seja realizada. O pagamento parcelado, sistema em desenvolvimento, vai garantir esse pagamento direto, automatizado. As empresas não poderão mais usar o dinheiro do tributo na sua caixa, além de terem que pagar antes para terem o crédito, que hoje é pela nota fiscal.

Outro efeito: a automação de fluxos e processos será indispensável. Não é mais questão de automatizar ou não. As empresas deverão começar já a se preparar para o início da operação da reforma, em janeiro de 2026, revisando e renegociando contratos, revisando precificação, implementando a automação adequadamente dita.

Importante também: a reforma tributária não é assunto apenas do fiscal ou da contabilidade. Definitivamente, a gestão será integrada. Será necessário envolver as áreas tributárias, de compras, o comercial, o financeiro, o jurídico e – nos lembremos sempre – o de tecnologia, nesse processo de conhecer as mudanças, se preparar e se adaptar.

Muitas empresas do Simples Nacional serão direta e duramente impactadas. A reforma tributária fará com que muitas empresas desse regime precisem optar pelo Regime Regular de IBS e CBS, para aproveitarem os créditos nas suas aquisições e não se tornarem acumuladas de resíduos tributários da cadeia, uma vez que só vão repassar como crédito aos seus adquirentes os valores transferidos devidos e recolhidos. Em compensação, é provável a mitigação extrema de litígios após 2033. Hoje, acumularam-se no Judiciário embates entre empresas e Fisco sobre débitos e créditos. Com a relativa simplificação e a automação promovida pela reforma, essa matéria será menos passível de dúvidas. Podem e deverão surgir outras discussões, mas menos expressivas como as que estamos habituados. A tendência é maior eficiência e clara na apuração tributária.

Por fim, quero reiterar que estamos em contagem regressiva. Não há mais o que esperar ou tempo a perder. Se você ainda não começou, deve começar logo a se preparar para a reforma tributária. A preparação envolve informação e formação, nas diferentes áreas que citei – contabilística, fiscal, financeira, jurídica, tecnológica – nesse processo. Metade do ano já foi, a outra voa. O período de transição, embora pareça longo – 2033 soa como um tempo distante – voa também.

Fonte: Engenharia da Comunicação.

terça-feira, 29 de julho de 2025

Indústria Precisa ter Competitividade

 

A revolução industrial começa com resultados

Por Walter Maia*


A transformação digital não é mais uma opção; é uma necessidade. No Brasil, 64,6% das empresas industriais já investem em inovação, totalizando mais de R$ 38,3 bilhões em pesquisa e desenvolvimento. Esse movimento é impulsionado por políticas como a Nova Industria Brasil, que mobilizou R$ 3,4 trilhões em investimentos até 2025.

Neste artigo, compartilho uma visão estratégica sobre como as empresas líderes estão utilizando a “inovação que entrega” para gerar impacto mensurável. 

Inovar não é apenas implementar novas tecnologias ou ideias. Inovar é transformar recursos em valor real, tangível e mensurável para os negócios. No Brasil, setores estratégicos já registram taxas de inovação superiores a 85%, evidenciando que a competitividade está diretamente ligada à capacidade de conectar tecnologia e estratégia.

Empresas com maior maturidade digital colhem os frutos desse alinhamento. Estudos mostram que organizações que priorizam projetos digitais escaláveis, com foco em ROI, registram crescimento do EBITDA até três vezes superior em relação àquelas que permanecem em estágios iniciais.

A expressão “inovação que entrega” traduz esse conceito: projetos que combinam tecnologia, dados e processos para gerar eficiência, reduzir custos e, ao mesmo tempo, ampliar a competitividade.


Tendências que impulsionam a indústria 4.0

A transformação digital industrial é impulsionada por quatro grandes forças: inteligência artificial (IA), internet das coisas (IoT), gêmeos digitais e automação avançada. Essas tecnologias, antes restritas a experimentos, tornaram-se o núcleo das estratégias de eficiência, segurança e sustentabilidade.

No Brasil, a adoção da IA dobrou de 12% em 2024 para 25% em 2025, com ganhos expressivos em produtividade e resultados financeiros. Gêmeos digitais, por sua vez, permitem simulações precisas de processos, reduzindo riscos operacionais e custos de manutenção. Já a combinação de automação com IoT está conectando linhas de produção a sistemas em tempo real, ampliando a visibilidade e a tomada de decisão baseada em dados.

O país ocupa hoje a 44ª posição no ranking global de prontidão digital, mas projeta que 50% das empresas industriais estarão digitalizadas até 2033, indicando uma corrida por integração tecnológica em larga escala.


Casos que mostram resultados concretos

A inovação só é reconhecida quando entrega resultados tangíveis. A Vale, por exemplo, estruturou um robusto ecossistema de inovação aberta com o MiningHub, conectando mineradoras, startups e fornecedores globais. Com big data, automação e IA, a empresa reduziu riscos operacionais e aumentou a produtividade, investindo em frotas autônomas e sistemas preditivos para operações mais seguras.

Outro exemplo é a ArcelorMittal, que implementou inteligência artificial na unidade de Resende (RJ) para inspeção de bobinas de aço. O sistema Standard Coil alcançou 89% de assertividade e reduziu retrabalhos em 30%.

No setor logístico, a Portocel tornou-se pioneira ao operar caminhões 100% autônomos, em parceria com a Lume Robotics e VIX Logística. O investimento em automação portuária, incluindo o primeiro spreader automático de alta capacidade para celulose, já desperta interesse internacional.

Esses exemplos reforçam que a verdadeira inovação envolve visão estratégica, foco em ROI e impacto direto na competitividade.

Apesar dos avanços, a transformação digital ainda enfrenta obstáculos significativos. Estudos mostram que 70% das iniciativas digitais falham por fatores culturais, como resistência interna e falta de engajamento das lideranças.

Outro desafio é a escassez de profissionais qualificados. O déficit já se aproxima de 800 mil especialistas em tecnologia no Brasil, enquanto a capacidade de formação anual está muito abaixo dessa demanda. Além disso, o alto custo inicial e a desigualdade na infraestrutura digital, especialmente em áreas industriais remotas, ainda dificultam a escalabilidade dos projetos.

Superar esses desafios exige visão de longo prazo, parcerias estratégicas com startups e centros de pesquisa, e a adoção de ecossistemas colaborativos que acelerem a inovação e reduzam riscos.


Caminhos para a indústria avançar

Para que a transformação digital seja realmente sustentável, é fundamental que a alta liderança assuma um papel ativo na definição da estratégia e na promoção de uma cultura de inovação. Projetos de alto impacto começam com objetivos claros, KPIs bem definidos e foco em mensurar produtividade, eficiência e retorno sobre investimento.

A indústria precisa, mais do que nunca, unir forças entre empresas, startups e centros de pesquisa para criar ecossistemas que favoreçam experimentação e escalabilidade. A integração entre inovação tecnológica, práticas de ESG e eficiência operacional será o fator que definirá as empresas protagonistas da Indústria 4.0.

 “Inovação que entrega” é, portanto, pensar estrategicamente, executar com precisão e gerar impacto sustentável.


*Walter Maia é diretor de Inovação, Digital e Investimentos Estratégicos na Timenow. Lidera iniciativas de expansão inorgânica e transformação digital, conectando tecnologia a resultados de negócios em mercados regionais e globais.

domingo, 27 de julho de 2025

STF, censura e liberdade de expressão: o dilema digital brasileiro

 

A liberdade de expressão, pilar das democracias, enfrenta novos e complexos desafios na era digital. No Brasil, decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a responsabilidade de plataformas digitais reacenderam um debate fundamental: onde termina a liberdade e começa o risco da censura? Para compreender essa tensão, é essencial revisitar as raízes históricas desse direito, especialmente o pensamento seminal de John Milton (1608-1674).
Milton, em sua magistral "Areopagítica" (1644), ergueu uma das mais veementes defesas da liberdade de expressão e de imprensa. O título de sua obra, remete ao Areópago ateniense — antigo conselho de debate e julgamento onde o apóstolo São Paulo discursou (Atos 17) —, que simboliza um fórum de sabedoria e debate racional. Confrontando a censura prévia, Milton argumentava que uma obra deve ser "examinada, refutada e reprovada", e não proibida.

Para Milton, a leitura, mesmo de "livros maus" ou heréticos, era essencial. Ele citava figuras como Moisés, Davi e Paulo como eruditos que liam "livros de todos os tipos", sustentando que o confronto com o erro nos permite aprender e discernir a verdade. A essência de seu pensamento residia na crença de que Deus dotou cada pessoa com razão e livre arbítrio para julgar ideias por si mesmas. A visão de Milton, de que a verdade prevalece no livre confronto de ideias, influenciou diretamente a Primeira Emenda da Constituição dos EUA e foi citada pela Suprema Corte americana em casos que defendem uma ampla proteção da liberdade de expressão.
O Tribunal citou nominalmente Milton em casos históricos, como New York Times Co. v. Sullivan, para explicar o valor inerente inclusive de declarações inicialmente tidas como falsas, e em Times Film Corporation v. Cidade de Chicago, para elucidar os perigos da censura prévia. O juiz William O. Douglas, em Eisenstadt v. Baird, e o juiz Hugo L. Black, em sua discordância no caso Partido Comunista dos Estados Unidos v. Subversive Activities Control Board, também invocaram Milton para defender uma proteção ampla e abrangente da liberdade de expressão e associação.
No Brasil, a chegada da internet e das redes sociais impôs um novo cenário. O Artigo 19 do Marco Civil da Internet (2014) visava proteger a liberdade de expressão, responsabilizando plataformas por conteúdo de terceiros apenas após ordem judicial e seu descumprimento. Contudo, o Supremo Tribunal Federal tem revisitado essa interpretação. Decisões recentes da Corte impuseram responsabilização direta às plataformas para certas categorias de conteúdos considerados ilícitos pelo STF. Para outros crimes, como os contra a honra, a ordem judicial prévia ainda é necessária, mas a reiteração de conteúdo já julgado ilegal pode gerar responsabilidade com notificação extrajudicial. Essa nova abordagem do Supremo, suscita preocupações legítimas sobre a emergência de censura. Ao exigir que empresas privadas façam um "juízo prévio" sobre a legalidade de um conteúdo, o STF as coloca em uma posição de "polícia da internet". Há o risco evidente de que, para evitar penalidades, as plataformas optem pela remoção excessiva de conteúdos, mesmo aqueles que não são claramente ilícitos, suprimindo o debate e a diversidade de opiniões. Esse cenário também levanta a questão da imparcialidade e da capacidade técnica das empresas para tal tarefa.

A gravidade desse risco é amplificada pelo contexto político brasileiro, com um governo de esquerda, que se diz comunista, alinhado a regimes autoritários conhecidos pela repressão à liberdade de expressão e de imprensa – como China, Rússia, Irã, Venezuela, entre outros. Nesses países, a supressão de vozes dissidentes é uma prática comum, e a liberdade de expressão é severamente restringida em nome da "segurança nacional" ou da "ordem social". A lição de John Milton, de que a verdade prevalece no livre confronto de ideias e que a censura é uma ferramenta da tirania, ressoa com urgência.
Garantir que o combate à desinformação não se transforme em uma porta para a supressão de opiniões legítimas, mesmo as impopulares, é o grande desafio. O equilíbrio entre coibir abusos e proteger a essência da liberdade de expressão exige clareza legislativa, transparência nas decisões e, acima de tudo, um compromisso inabalável com o "mercado de ideias" que Milton tão eloquentemente defendeu.

Eduardo Berbigier é advogado tributarista, especialista em Agronegócio, membro dos Comitês Juridico e Tributário da Sociedade Rural Brasileira e CEO do Berbigier Sociedade de Advogados.

Ilustração: Correio Braziliense. 

sábado, 26 de julho de 2025

Autoatendimento é solução para bares e restaurantes

Crise no setor de bares e restaurantes e o autoatendimento como solução

Por Daniella Nishikawa (*)

O setor de bares e restaurantes no Brasil vive uma crise estrutural que compromete não apenas sua eficiência, mas também sua capacidade de continuar operando. De acordo com dados da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), 90% dos empresários relatam dificuldades para contratar colaboradores qualificados. Entre eles, 64% citam a escassez de mão de obra capacitada como o principal desafio, enquanto 61% afirmam que nem sequer conseguem atrair interessados para as vagas.

A situação se torna ainda mais alarmante quando observamos a taxa de rotatividade, que chega a 74,3%. Esse número é mais que o dobro da média do setor de serviços, estimada em 35%. O problema vai além da contratação. Ele expõe o esgotamento de um modelo de negócios antiquado, que ainda resiste à transformação digital em um mercado cada vez mais competitivo.

Muitos estabelecimentos seguem presos a práticas operacionais ultrapassadas. Essas práticas já não atendem às exigências atuais e dificultam ainda mais a atração e retenção de talentos. Os consumidores de hoje valorizam agilidade, autonomia no atendimento e padronização na experiência. Esses atributos podem ser facilmente entregues por meio de soluções tecnológicas simples, mas eficazes.

Grandes redes internacionais já demonstram que é possível transformar esse cenário. McDonald’s e Burger King, por exemplo, incorporaram totens de autoatendimento em suas estratégias operacionais. A mudança resultou em ganhos expressivos, como a melhoria no fluxo de atendimento, a redução de custos com demissões e contratações e o aprimoramento da experiência do cliente. Além disso, permitiu a realocação de profissionais para áreas mais estratégicas, como a preparação dos alimentos, o controle de qualidade e o relacionamento direto com o público.

A tecnologia deixou de ser um diferencial. Tornou-se uma necessidade básica para a sobrevivência no setor. Em um ambiente marcado pela escassez de profissionais e pela alta rotatividade, a digitalização não pode mais ser adiada. Negar a transformação digital representa, hoje, uma ameaça real à competitividade dos negócios.

Portanto, é hora de abandonar a lógica da improvisação e investir em processos sustentáveis, com base em dados, automação e eficiência. A inovação não é mais um plano para o futuro. É uma urgência do presente. Quem resistir ao novo corre o risco de desaparecer. Já quem entender o momento como uma chance de reconstrução pode não apenas sobreviver, mas liderar a próxima fase de evolução do setor.

(*) é advogada e sócia da iHUNGRY Tecnologia, empresa inovadora no setor de soluções digitais para alimentação fora do lar. Com uma visão estratégica e multidisciplinar, Daniella atua na interseção entre direito, tecnologia e negócios, contribuindo para o crescimento sustentável da iHUNGRY e para a transformação digital no setor de food service.

Ilustração: Associação Nacional de Restaurantes.

sexta-feira, 11 de julho de 2025

SAÚDE MENTAL E A NOVA REGULAMENTAÇÃO-NR-1


 NR-1 e Saúde Mental: uma oportunidade que as empresas não podem ignorar

*Dr. Alberto José Niituma Ogata, Doutor em Saúde Coletiva (USP) e Pesquisador associado do Centro de Estudos em Planejamento e Gestão em Saúde (FGV Saúde)

Em 2024, o Brasil bateu recorde de afastamentos por saúde mental. De acordo com dados do Ministério da Previdência Social, foram quase meio milhão de licenças médicas concedidas devido ansiedade ou depressão, o maior número desde 2014¹. Esse número também representa um crescimento de 68% em relação aos afastamentos em 2023¹.
 
A crise de saúde mental no Brasil se tornou tão preocupante, inclusive para a economia e produtividade brasileira, que o governo federal anunciou, em janeiro de 2025, uma atualização da Norma Regulamentadora 1 (NR-1), norma que estabelece disposições gerais sobre as diretrizes e estruturas do gerenciamento de riscos ocupacionais no Brasil. Agora, a NR-1 reconhece os fatores psicossociais como componentes essenciais para a proteção da integridade física e mental dos trabalhadores, obrigando os empregadores a implementarem um planejamento para controle dos riscos ocupacionais relacionados à saúde mental.
 
Os fatores psicossociais impactam diretamente a saúde mental e a produtividade. Sua inclusão no escopo do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) sinaliza um avanço importante. No entanto, compreender e intervir sobre esses fatores exige um olhar que vá além do ambiente físico de trabalho.
 
A realidade do trabalhador brasileiro é profundamente marcada por determinantes sociais que afetam sua saúde de forma estrutural. A renda, o grau de escolaridade, a moradia, o acesso a transporte, a segurança e, sobretudo, as desigualdades raciais e de gênero compõem um cenário de vulnerabilidades que não podem ser ignoradas na análise dos riscos psicossociais. Um trabalhador exposto à insegurança alimentar ou à violência urbana está mais suscetível ao adoecimento mental, mesmo em ambientes de trabalho adequados do ponto de vista técnico.
 
Em uma realidade como essa, é complexo medir o quanto da saúde mental do trabalhador está sendo prejudicada exclusivamente pelo trabalho. E é ainda mais complexo – apesar de extremamente necessário – elaborar planos de ação verdadeiramente efetivos. Não à toa, o governo decidiu adiar a aplicação de multas em relação ao cumprimento da NR-1 por um ano, dando mais tempo para as empresas se planejarem.
 
De acordo com a 31a Pesquisa de Benefícios Corporativos, realizada pela Mercer Marsh Benefícios, 65% das empresas afirmam ter ações de saúde e bem-estar2. No entanto, se excluirmos ações pontuais como palestras, massagens, salas de descompressão e campanhas de Setembro Amarelo, sobra apenas 16% que desenvolve ações que cumprem todas as premissas necessárias para um programa efetivo2. É necessário assegurar que as empresas promovam um cuidado interdisciplinar e construam ambientes organizacionais que respeitem os limites humanos e possibilitem o desenvolvimento profissional. Gestores e profissionais de saúde devem abandonar a visão de que os fatores psicossociais são “problemas individuais” do trabalhador. Além disso, empresas que oferecem planos de saúde devem se comprometer com o uso qualificado dessa rede, orientando o trabalhador sobre o acesso, estimulando o acompanhamento multiprofissional e monitorando a efetividade dos tratamentos.
 
Tanto na saúde pública quanto na privada, há o desafio do déficit de médicos psiquiatras para atuar em rede e com acesso adequado aos pacientes. Por isso, a abordagem dos transtornos mentais comuns demanda linhas de cuidado estruturadas com base nas melhores evidências científicas disponíveis. Protocolos clínicos, acompanhamento contínuo, terapias psicológicas e, quando necessário, intervenções farmacológicas devem fazer parte de uma estratégia integrada, acessível e sustentável — tanto no setor público quanto no privado. A integração entre os serviços da rede pública e privada, quando orientada por princípios de qualidade e continuidade do cuidado, amplia o alcance e a resolutividade dessas ações.
 
A NR-1, ao incorporar os fatores psicossociais ao gerenciamento de riscos ocupacionais, abre caminho para uma nova cultura de saúde no trabalho — mais humana, inclusiva e integrada. A cultura de saúde não se revela meramente pela contratação de uma consultoria especializada e adoção de “EPIs” em saúde mental, como apenas a oferta de serviços de telepsicologia. Trata-se de uma oportunidade estratégica para as empresas, e não apenas do cumprimento de uma obrigação legal. Ao promover ambientes saudáveis e sustentáveis, as organizações fortalecem seu capital humano, aumentam sua competitividade e contribuem para uma sociedade mais justa. Encarar a NR-1 sob essa ótica é transformar o cuidado com a saúde dos trabalhadores em um ativo corporativo valioso e perene. As empresas que agirem agora terão uma vantagem competitiva no futuro do trabalho.
 
Referências
  1. G1. Crise de saúde mental: Brasil tem maior número de afastamentos por ansiedade e depressão em 10 anos. MARÇO, 2025. Disponível em https://g1.globo.com/trabalho-e-carreira/noticia/2025/03/10/crise-de-saude-mental-brasil-tem-maior-numero-de-afastamentos-por-ansiedade-e-depressao-em-10-anos.ghtml. Acesso em 28/04/2025.
  2. Mercer Marsh Benefícios. 31ª Pesquisa de Benefícios Corporativos. Edição 2023-24. Disponível em https://www.marsh.com/pt-br/services/employee-health-benefits/insights/31st-corporate-benefits-survey-check-out-this-editions-insights.html. Acesso em 28/04/2025.
Ilustração: Dr. Consulta. 

quarta-feira, 11 de junho de 2025

Eduardo Berbigier escreve sobre a erosão da democracia e o controle da Internet

 


Erosão democrática e o controle da internet

Lula assume que quer importar censura chinesa

 Eduardo Berbigier (*)

"Acuse-os do que você faz, chame-os do que você é!.”

Frase atribuída a Vladimir Lenin

No Brasil, em vez de uma tomada de poder abrupta e violenta é possível que, ao longo dos últimos 20 anos, estejamos participando de um tipo de golpe que se caracteriza por uma erosão gradual das normas democráticas, das instituições e do Estado de direito.

Mudanças na legislação e até mesmo na Constituição estão sendo implementadas gradualmente, muitas vezes sob o pretexto de modernização, combate à corrupção, à criminalidade, aos crimes de ódio, às condutas antissociais, à desinformação e à proteção da democracia, mas que, no fundo, concentram poder, restringem direitos ou enfraquecem mecanismos de controle daquilo que historicamente o mundo civilizado chama de democracia.

Inúmeros são os partícipes dessa tomada. Grandes interesses financeiros locais e do exterior engraxam, com o lubrificante universal, mentes, corações, bolsos e recheiam contas bancárias. Temos entregado a moral do nosso povo, as nossas famílias, os nossos filhos, as nossas riquezas, não sabemos para quem. Também não conhecemos e nem imaginamos quem integra as empresas, os grandes grupos econômicos e conglomerados que estão privatizando portos, estradas, ferrovias, túneis, estádios e mercados do país (na maioria das vezes, por 30 anos!).

Preparemo-nos! Além da reforma tributária e de várias outras ameaças que estamos vivenciando, diariamente, vimos o recente pedido que o atual presidente da República do Brasil, em visita à China, fez ao presidente daquele país, reconhecido por sua tradição e história comunista, de enviar ao Brasil uma pessoa de confiança para discutir a nossa questão digital (redes sociais e internet no geral).

Vale ressaltar que a internet na China e na Rússia (outro país visitado pelo atual mandatário brasileiro) funciona sob modelos significativamente diferentes em comparação com muitas outras partes do mundo, particularmente no que diz respeito à censura e ao controle governamental.

Vejamos um brevíssimo resumo sobre o funcionamento da internet na China, cujo modelo digital vem sendo implementado, aos poucos, no Brasil (câmeras de reconhecimento facial, real virtual, entre outros).

Segundo informações, a China utiliza o 'Grande Firewall' (GFW), um sofisticado e extenso sistema de censura e vigilância que bloqueia sites, aplicativos e serviços online estrangeiros, além de conteúdos considerados politicamente sensíveis ou desfavoráveis ao Partido Comunista Chinês (PCC). O GFW emprega inúmeras técnicas para bloquear conteúdo e monitorar as atividades online.

Com o bloqueio de serviços estrangeiros, a China desenvolveu um ecossistema de internet doméstico com alternativas locais para quase tudo, como o Baidu (busca), WeChat (mensagens, social, pagamentos), Sina Weibo (microblogging) e Youku/Bilibili (vídeos).

O governo conduz uma intensa vigilância da atividade online. Sensores alimentados por IA escaneiam o conteúdo em busca de material sensível, e as plataformas de mídia social empregam mecanismos de autocensura.

Em resumo, tanto a China quanto a Rússia operam sob ambientes de internet fortemente monitorados, com censura significativa, forte supervisão governamental e controles sociais diferentes dos nossos.

No Brasil, a legislação da internet é regida principalmente pelo Marco Civil da Internet, que assegura direitos e princípios como liberdade de expressão (constitucionalmente garantida), privacidade, neutralidade da rede e direito de acesso à internet, essencial à cidadania.

Complementarmente, temos a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que estabelece regras para o tratamento de dados pessoais por entidades públicas e privadas, visando proteger os direitos fundamentais de liberdade e privacidade.

Contudo, encontra-se em tramitação no Congresso o PL 2630/2020 (Lei das Fake News), já aprovado no Senado em 2020, e atualmente parado na Câmara dos Deputados sem previsão de votação, devido à falta de consenso. Segundo seus proponentes, o objetivo do PL é regular plataformas digitais e serviços de mensagens privadas para combater a disseminação de notícias falsas e conteúdo ilícito.

Em linhas gerais, a Lei das Fake News propõe que as plataformas adotem medidas para identificar, rastrear e remover conteúdo ilegal ou desinformativo (especialmente no período eleitoral); exige maior transparência sobre algoritmos e financiamento; busca rastrear a origem de mensagens; e prevê punições para descumprimento e disseminação danosa. Inicialmente, também previa uma nova autarquia reguladora.

Enfim, a Lei das Fake News é um tema complexo e pode gerar grande impacto na liberdade de expressão. São diversas as preocupações advindas do PL 2630/2020: censura e remoção excessiva de conteúdo; responsabilidade das plataformas como "juízes"; vigilância e coleta de dados; e, sobretudo, o efeito inibidor: o medo da autocensura, com usuários e até mesmo veículos de comunicação evitando expressar suas opiniões por receio de serem punidos.

Então, se for atendido o pedido do atual governo brasileiro ao presidente da China e, se for enviado uma pessoa de confiança daquele país, para discutir o uso da internet e redes sociais de nosso país, o futuro, ao que parece, não trará garantias para a liberdade de expressão do nosso povo.

Portanto, está claro que Lula quer importar o modelo chinês de controle da internet, não para beneficiar os brasileiros, mas porque ele e o PT acreditam que a única liberdade que deve existir é a que favorece o partido e seus companheiros e, não o Brasil.

Com o pedido do atual governo ao presidente da China e o envio de uma pessoa de confiança daquele país para discutir a nossa questão digital, aguardemos o que virá!

Sim, corremos o grande risco de o atual governo brasileiro adotar um modelo de controle da internet inspirado no sistema chinês e de países com regimes de partido único dominante e forte controle estatal.

 (*) é advogado tributarista, especialista em Agronegócio, membro dos Comitês Juridico e Tributário da Sociedade Rural Brasileira e CEO do Berbigier Sociedade de Advogados.

 

sexta-feira, 30 de maio de 2025

CENSURA E MEDO PARA CALAR OPOSITORES, ESCREVE ADVOGADO

A imposição da censura e do medo são armas para silenciar os opositores

Bady Curi Neto (*)

Causou perplexidade, a notícia de que o Deputado Federal Eduardo Bolsonaro foi alvo de um inquérito, distribuído ao Ministro Moraes, “para apuração da suposta prática dos crimes de coação no curso do processo (art. 344 do Código Penal), investigação de infração penal que envolve organização criminosa (art. 2º, § 1º, da Lei 12.850/13) e abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L do Código Penal).

De acordo com a Procuradoria Geral da República, desde o início do ano, Eduardo Bolsonaro tem declarado publicamente que busca convencer o governo dos Estados Unidos sobre avaliações contra membros do Supremo Tribunal Federal, da Procuradoria-Geral da República e da Polícia Federal. Ele acredita que está sendo vítima de perseguição política, assim como seu pai, que atualmente enfrentou uma denúncia no STF por liderar uma suposta organização criminosa com o objetivo de romper com a ordem democrática e assumir a presidência, independentemente dos resultados das eleições de 2022.

(Vhttps:// noticias.stf.jus.br/postsnoticias/stf-abre-inquerito-para-investigar-o-deputado-eduardo-bolsonaro-por-coacao-e-tentativa-de-obstrucao-de-justica/ )

Pelo que podemos aferir pelo conteúdo da decisão que abriu o inquérito, quanto pela sua fundamentação, não há, na minha opinião, base legal suficiente para justificar sua abertura, a não ser a ameaça de uma ação penal como forma de intimidação e censura.

Vamos analisar o que o Deputado fez e continua fazendo:
1- Manifestações contrarias a certos posicionamentos e julgamentos do STF por meio de entrevistas, redes sociais, gravações de vídeos e etc.; 2- Denunciar às autoridades americanas o que entende por perseguição política, imposição de censura por certos ministros do STF.

Pergunte-se: As atitudes do deputado licenciado Eduardo Bolsonaro configuram crimes de coação no curso do processo, interferiram na investigação de infração penal que envolve organização criminosa e abolição violenta do Estado Democrático de Direito? Na minha visão, não.

Mesmo que nossa Suprema Corte seja uma instituição importante e respeitável, seus membros e decisões não estão imunes a críticas ou denúncias feitas a organismos internacionais. Juízes do STF não são figuras intocáveis ou sagradas; eles podem e devem ser criticados. Ministros não são vestidos a serem adorados pelos cidadãos.

Como lembrou o senador Rogério Marinho, na tribuna do Senado, nos anos de 2017/2018, essa mesma postura foi imposta pelo Partido dos Trabalhadores na época, quando denunciou em vários países alegando que Lula foi vítima de uma trama judicial.

Em 2018, o deputado Boulos deixou para Portugal, junto com Tárcio Genro, afirmando que “o Judiciário estava tomando em sua mão os rumores da sociedade brasileira e os rumores da política, resolveu as eleições no tapetão...”

A deputada Gleisi Hoffmann, naquela época, deu entrevista para o canal Árabe, através da Al Jazeera, denunciando que o ex-presidente Lula era um preso político, vítima da justiça brasileira. Estes movimentos foram vistos como sendo liberdade de manifestação e o direito a críticas de determinadas decisões emanadas pelo Poder Judiciário.

Portanto, críticas públicas, manifestações nas redes sociais ou denúncias feitas a organismos internacionais contra decisões do STF não configuram cooperação ou tentativa de intervenção da justiça. Mesmo que os Estados Unidos possam vir a aplicar sanções ou cassar vistos de ministros do STF com base na Lei Magnitsky, isso não representa uma ameaça ao Estado Democrático de Direito.

Ives Gandra Martins, em seu canal no Instagram, manifestou: "Qualquer que seja a medida não irá ter influência no Brasil. O Brasil é regido pelas leis Brasileiras..."

Portanto, as avaliações americanas, caso venham a ser aplicadas cassando os vistos americanos de Ministros do STF ou mesmo a aplicação da Lei Magnitsky não têm a condição de abolir o Estado Democrático de Direito e não representam nenhuma interferência a soberania nacional.

Resumindo: as ações do Deputado Eduardo Bolsonaro nos EUA representam sua liberdade constitucional de expressão e de denunciar o que ele considera abusos do judiciário. Assim como fizeram os petistas na época do processo contra Lula, sua postura não pode ser vista como crime.

O ex-ministro Marco Aurélio Mello comentou, recentemente, sobre esse tema: ele afirmou que ações que parecem intimidatórias vão contra os princípios democráticos e a liberdade prevista na Constituição. Segundo ele, Eduardo Bolsonaro está participando como cidadão licenciado e suas manifestações não devem ser interpretadas como tentativa de intimidação ou ameaças. Disse sua Excelência, textualmente: “É realmente uma forma de intimidar-se e de colocar-se uma mordaça, só porque ele está, realmente, apontando o que ele entende que são negócios equívocos, ele vai ser fustigado no campo penal? Não, não, isso é muito ruim. Não é algo harmônico com a república.”

O inquérito aberto contra o deputado Eduardo Bolsonaro deixa transparecer uma tentativa de importante censura e usar o medo como forma de silenciar aqueles que se opõem a determinadas decisões do STF, o que vai contra os princípios do Estado Democrático de Direito.

Tenho dito!!!      

(*) É  advogado fundador do Escritório Bady Curi Advocacia Empresarial, ex-juiz do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG) e professor universitário.

Ilustração: Ricam Consultoria.

sábado, 24 de maio de 2025

Como a IA pode afetar as relações humanas

 


O impacto da IA no comportamento e relações até 2035

Kátia Assad (*)

No meio do frenesi tecnológico que marca o início do século XXI, a Inteligência Artificial deixou de ser uma ficção científica para se tornar uma presença concreta e inevitável na vida cotidiana. Até 2035, segundo o estudo Being Human in 2035, conduzido por Janna Anderson e Lee Rainie, não se espera apenas uma evolução tecnológica, mas uma transformação radical e irreversível no comportamento humano e nas estruturas sociais. O que está em jogo vai muito além de eficiência e inovação: é a própria essência do que significa ser humano.

A maioria dos cientistas consultados no estudo afirma, de forma quase unânime, que as mudanças provocadas pela IA serão profundas e significativas. Esse consenso não vem do nada. Estamos falando de um cenário em que sistemas artificiais não apenas operam com lógica, mas começam a simular emoções, dialogar com fluidez e até demonstrar lampejos de criatividade. O filósofo Luciano Floridi, da Universidade de Oxford, é uma das vozes que alertam: essa crescente interação com inteligências artificiais tem o potencial de redefinir nossa percepção de identidade, uma redefinição que pode diluir a fronteira entre o humano e o sintético.

O impacto dessa proximidade tecnológica sobre o "eu" é mais do que simbólico. À medida que máquinas se tornam cada vez mais parecidas conosco em expressão e resposta, a experiência de ser humano, com toda sua complexidade, contradições e imperfeições, corre o risco de ser comparada, e até substituída, por uma versão artificialmente otimizada. Isso levanta uma questão incômoda: se uma IA pode rir, chorar e criar, o que ainda nos diferencia? No entanto, talvez a ameaça mais insidiosa não esteja na IA em si, mas no que ela pode nos fazer perder. Há um risco concreto de erosão das capacidades cognitivas humanas. A dependência crescente de respostas automatizadas e resumos instantâneos, apesar de conveniente, pode reduzir drasticamente nossa habilidade de análise profunda e pensamento crítico. O perigo está na comodidade: quanto mais confiamos na máquina, menos exercitamos nossa própria mente.

Essa deterioração não se limita à esfera racional. Também se projeta sobre a nossa inteligência emocional e social. As interações humanas repletas de ambiguidades, mal-entendidos e aprendizados, estão sendo trocadas por conexões com agentes artificiais sempre disponíveis, adaptáveis e emocionalmente previsíveis. É tentador, sim. Mas, ao evitar o desconforto das relações reais, podemos estar abrindo mão da complexa arte de conviver. Mais grave ainda é a ameaça à agência humana. Ao delegarmos decisões para algoritmos em áreas como saúde, justiça e finanças, corremos o risco de substituir o julgamento humano por modelos preditivos baseados em dados. A promessa de precisão pode vir acompanhada de uma perda silenciosa: a da autonomia. A capacidade de decidir, de errar, de escolher com base em valores e não apenas em estatísticas,tudo isso pode ser enfraquecido.

A IA tem, sim, potencial para expandir as capacidades humanas. Com regulamentações éticas adequadas, pode personalizar tratamentos, promover inclusão e impulsionar colaborações que antes pareciam impossíveis. Mas isso só será possível se mantivermos, no centro do debate, uma questão essencial: o que não podemos perder? A reflexão sobre a singularidade humana na era da IA precisa ser constante, crítica e profunda. Não como um lamento nostálgico por um passado analógico, mas como uma bússola para o futuro. Em 2035, talvez estejamos cercados de máquinas que pensam, sentem e interagem. Cabe a nós garantir que, no meio de tudo isso, ainda saibamos o que significa ser verdadeiramente humanos.

(*) é fundadora da Consultoria de Saúde Mental Psico.delas, psicóloga clínica, coach e educadora.

 

sexta-feira, 23 de maio de 2025

Aprender IA é mais urgente que inglês ou Excel?

 


Por que aprender IA é mais urgente do que aprender inglês ou Excel

Por Renato Asse (*)

Por muito tempo, saber inglês e dominar o Excel foram considerados pré-requisitos para qualquer profissional que desejasse se destacar no mercado. Essas habilidades funcionavam como chaves para acessar conteúdos técnicos, compreender documentos internacionais, montar relatórios e organizar dados com precisão. No entanto, esse modelo de competência está sendo redefinido com a popularização da inteligência artificial. Um episódio simples, mas significativo, ilustra bem essa mudança: um comerciante do interior de São Paulo relatou que conseguiu, com o auxílio da IA, montar uma planilha com gráficos e enviar um relatório em inglês, tudo sozinho. O que antes exigia cursos, tempo de estudo e muitas vezes ajuda externa, agora foi resolvido com autonomia. A sensação de independência relatada por esse usuário é o reflexo direto de uma transformação tecnológica que torna acessíveis ferramentas antes restritas a poucos.

Os números reforçam essa percepção. Um relatório da McKinsey (2023) apontou que 75% das empresas globalmente já utilizam alguma forma de IA em seus processos. No Brasil, uma pesquisa da Microsoft com a Edelman mostrou que 93% dos trabalhadores que usam inteligência artificial afirmam ser mais produtivos, e 85% dizem ter mais tempo para atividades estratégicas. Esses dados evidenciam que a IA não apenas melhora a eficiência, mas também muda a relação dos profissionais com o próprio trabalho. Ela deixa de ser apenas um suporte técnico para se tornar um instrumento de empoderamento individual, capaz de reduzir dependências e estimular a iniciativa.

A inteligência artificial vem cumprindo um papel decisivo na democratização do acesso ao conhecimento e às ferramentas digitais. Plataformas como o ChatGPT têm sido utilizadas por pessoas sem qualquer formação técnica para realizar tarefas antes complexas, como revisar contratos, criar dashboards financeiros, traduzir textos especializados ou desenvolver automações simples. Hoje, no Brasil, empreendedores autônomos e pequenos já utilizaram a IA para reestruturar seus negócios, resolver problemas administrativos e ganhar tempo com atividades operacionais. Esses resultados demonstram como a IA pode servir como uma alavanca de produtividade e inclusão digital.

A utilização eficaz da IA não exige conhecimento avançado em tecnologia. O ponto central está na capacidade de interagir com as ferramentas por meio de boas perguntas e comandos bem estruturados, uma habilidade conhecida como “prompting”. Assim como não é necessário entender a mecânica para dirigir um carro, também não é preciso conhecer os algoritmos por trás da IA para aproveitar seus benefícios. O que se exige é curiosidade, atitude e disposição para testar e aprender de forma prática. Esse novo conjunto de competências está se tornando o novo padrão mínimo exigido no mercado de trabalho.

Embora inglês e Excel continuem sendo úteis em muitos contextos, a inteligência artificial já se consolidou como uma habilidade essencial para o presente. Ela redefine o conceito de qualificação ao oferecer velocidade, autonomia e alcance. Em um cenário onde o tempo é um dos ativos mais valiosos, saber utilizar IA não é um diferencial, mas uma necessidade. Profissionais que compreendem essa mudança não apenas acompanham a evolução do mundo, mas posicionam-se de forma estratégica para aproveitá-la. E como demonstrou aquele comerciante do interior, com a ferramenta certa, qualquer pessoa pode conquistar resultados antes impensáveis, e sentir-se gigante por isso

(*) é fundador da Comunidade Sem Codar, a maior escola de No Code e IA da América Latina, com mais de 20 mil membros.  

 

quarta-feira, 30 de abril de 2025

Um artigo de Bárbara Nogueira sobre o futuro do trabalho

O Futuro do trabalho já começou- E você está pronto?

Por: Bárbara Nogueira

A revolução digital já não é mais algo distante: ela está aqui, no nosso dia a dia, transformando silenciosamente (e às vezes, ruidosamente) a forma como trabalhamos, nos relacionamos com as empresas e até como enxergamos o que é “ter um emprego”. Mais do que uma era de mudanças, estamos vivendo uma verdadeira mudança de era.

A tecnologia está redesenhando as carreiras, os modelos de trabalho e até os caminhos para se construir uma trajetória profissional. Segundo o Fórum Econômico Mundial, até 2025, 85 milhões de empregos devem ser substituídos por máquinas. Por outro lado, 97 milhões de novas funções devem surgir — muitas delas ainda nem existem. Já o LinkedIn Learning aponta um dado ainda mais impactante: até 2030, 1 bilhão de pessoas no mundo precisarão ser requalificadas.

É o começo de um novo jogo. A automação e a inteligência artificial estão evoluindo numa velocidade três vezes maior do que a criação de empregos tradicionais. Mas é importante entender: a tecnologia não elimina pessoas — ela substitui tarefas. Isso muda tudo. Bancos, por exemplo, adotaram caixas eletrônicos inteligentes, liberando os atendentes para atuar como consultores. Indústrias passaram a usar robôs para soldagem e inspeção, enquanto os operadores se transformam em supervisores tecnológicos. No marketing, a IA ajuda a gerar conteúdo, mas o olhar estratégico — que interpreta os dados e entende o comportamento do consumidor — continua sendo humano.

Outro fenômeno dessa nova economia é a ascensão da "gig economy", ou economia sob demanda. Plataformas como Uber, iFood, 99Freelas e outras abriram portas para trabalhos mais flexíveis, mas também mais instáveis. O vínculo tradicional com uma única empresa está dando lugar a relações de trabalho mais fluidas, em que a segurança profissional vem, principalmente, da capacidade de se adaptar e aprender rápido.

E é justamente aí que entram as novas habilidades. No lado técnico, dominar ferramentas digitais, entender o básico de análise de dados, conhecer plataformas como CRMs ou recursos com inteligência artificial deixou de ser “um diferencial” — virou necessidade. Mesmo quem não é programador precisa compreender lógica de programação, pelo menos para se comunicar com a tecnologia.

Mas as soft skills (habilidades humanas) continuam sendo o trunfo. Pensamento crítico, criatividade, inteligência emocional, comunicação clara e vontade de aprender são características que nenhuma máquina consegue replicar. E são essas qualidades que as empresas estão procurando cada vez mais — profissionais adaptáveis, curiosos e com sede de evolução.

Hoje, o portfólio fala mais alto que o currículo tradicional. Experiências práticas, projetos entregues, aprendizados adquiridos — tudo isso conta (muito!) na hora de se destacar no mercado.

Só que essa transformação também traz um alerta: a inclusão digital ainda é um desafio enorme. No Brasil, mais de 20 milhões de pessoas não têm acesso regular à internet. As barreiras digitais afetam, principalmente, quem tem menos escolaridade, mulheres e trabalhadores mais velhos. Enquanto novas profissões surgem, muitas pessoas ainda não têm acesso às ferramentas básicas para acompanhar essa mudança.

Para quem está no mercado — ou quer entrar —, o caminho é investir em aprendizado contínuo. Plataformas como Coursera, Alura, Senai, Sebrae, YouTube e LinkedIn Learning oferecem cursos gratuitos ou acessíveis para todos os níveis. Aprender Excel, Power BI, ferramentas colaborativas e noções de dados é um excelente começo. Além disso, manter um perfil atualizado no LinkedIn, participar de comunidades, eventos e desenvolver uma mentalidade empreendedora são passos essenciais, mesmo para quem está em empregos formais.

Do lado das empresas, o momento exige ação. É hora de criar programas internos de reskilling (requalificação) e upskilling (atualização de competências), com foco no que os colaboradores podem aprender e não só no que já sabem. Redesenhar cargos, criar trilhas de aprendizado e promover inclusão digital são iniciativas que ajudam a preparar equipes para o futuro que já chegou. E o mais importante: usar dados para entender as lacunas de capacitação e agir de forma estratégica.

No final das contas, a nova regra do jogo é clara: não importa mais apenas o que você sabe, mas o quanto você é capaz de aprender e se reinventar. O trabalho mudou — e vai continuar mudando. Mas com acesso, preparo e uma dose de coragem, essa revolução pode ser uma das maiores oportunidades do nosso tempo.

(*) é Diretora, Career Advisor & Headhunter da Prime Talent, empresa presente em 27 países pela Agilium Group.

Ilustração: Walmar Andrade. 

 

sábado, 26 de abril de 2025

Artigo de Fernando Brolo sobre a necessidade da gentileza

 


O que a Inteligência Artificial pode nos ensinar sobre gentileza

Fernando Brolo ()

Recentemente, li em um artigo que Sam Altman, CEO da OpenAI, a empresa que desenvolveu o ChatGPT, informou que ser educado com chatbots gera respostas "mais colaborativas e respeitosas". Isso acontece porque os modelos de linguagem de grande escala (LLMs) foram treinados para emular interações humanas e, portanto, respondem ao tom que utilizamos.

Esta observação me fez refletir sobre como conduzimos negócios no setor de tecnologia. Não é curioso que até mesmo as máquinas respondam melhor à gentileza?

Há mais de duas décadas, quando fundei a Logithink junto com outros experientes colegas do setor, estabeleci um princípio que guia todas as nossas interações: "Se você está fazendo negócios e não está fazendo amigos, algo está errado." Este lema não é apenas um slogan bonito – é a filosofia que transformou uma pequena consultoria em um parceiro estratégico para algumas das maiores corporações do país.

O que os chatbots estão nos mostrando é algo que sempre soube intuitivamente: a qualidade da comunicação determina a qualidade da colaboração. Quando uma IA responde melhor a um pedido educado, ela está simplesmente espelhando o comportamento humano. Nas negociações e tratativas com nossos clientes, ou melhor dizendo, parceiros de negócios, percebo o mesmo padrão: abordagens respeitosas e colaborativas invariavelmente produzem resultados melhores.

No setor de TI, existe uma tendência equivocada de reduzir relacionamentos a contratos, SLAs e outras KPIs. Certamente, esses elementos são importantes, mas representam apenas a estrutura, não a essência do relacionamento. Quando nossa equipe implementa uma inovação ou desenvolve uma solução customizada para um parceiro, não estamos apenas entregando código ou infraestrutura: estamos construindo pontes de confiança. E a confiança, como qualquer engenheiro de software sabe, não pode ser programada – ela precisa ser cultivada.

É irônico que, em uma era onde a tecnologia nos permite automatizar praticamente tudo, descobrimos que o fator humano se torna ainda mais valioso. As grandes corporações com quem trabalhamos não nos contratam apenas por nossa expertise técnica – elas nos escolhem pela maneira como transformamos essa expertise em valor através de relacionamentos genuínos.

Quando Kurtir Beavers, diretor de design da Microsoft para o Copilot, explica que os LLMs foram "treinados para emular interações humanas", ele toca em um ponto crucial: mesmo as tecnologias mais avançadas estão, em sua essência, tentando replicar o que há de melhor em nós. A gentileza, a empatia, a capacidade de compreender contextos sutis – estas são características que ainda nos diferenciam das máquinas.

Há uma lição profunda no fato de que até mesmo os chatbots respondem melhor quando tratados com cortesia. Se sistemas baseados em código – projetados para serem puramente lógicos – são influenciados pelo tom da comunicação, imagine o impacto em seres humanos complexos, com emoções, aspirações e valores.

Em um mundo cada vez mais automatizado, talvez nossa vantagem competitiva mais poderosa seja justamente aquilo que nos torna humanos: nossa capacidade de conectar, de compreender e de tratar uns aos outros com dignidade e respeito.

(*)  é CSMO (diretor de vendas e marketing) e sócio-fundador da Logithink, empresa de TI.